sábado, 16 de outubro de 2010

Crónica Benzodiazepina


Vida de Aluguer

Vivemos uma vida de aluguer. O conceito de vida de aluguer, à primeira vista, assusta qualquer um. Nós que procuramos de forma incessante a permanência em tudo. Na riqueza, na beleza, no amor, no poder, no estatuto, no emprego, na própria vida após vida, enfim, em tudo aquilo que queremos acreditar ser nosso por direito e eternamente. Uma ilusão confortável mas perigosa. A vida dá-nos a oportunidade de aprendermos o contrário: perdemos a infância, a frescura total da juventude, eventualmente um ano lectivo, ou um emprego, um casamento, mais tarde ou mais cedo, um pai, uma mãe, tios… São muitas as oportunidades que a vida nos dá para compreendermos o que é perder. O que perdemos? Na verdade absolutamente nada, porque nada é nosso, a não ser a ilusão.
Perder é uma arte que depende da consciência da nossa própria inexistência, do não-ser presente no ser. E a vida de aluguer é apenas isso. A consciência de que tudo é mutável, tudo está em constante transformação, inclusive nós próprios. Se nos adaptarmos bem a esse conceito, tudo se torna mais fácil, porque percebemos que as adversidades também são passageiras. A transformação não atinge somente o bom, mas também o mau se pode transformar em bom. Requer treino, distanciamento, paciência, coragem e resistência, esta adaptação a um sentido da realidade mutante e efémera. Para os povos orientais, é talvez mais fácil pois grande parte da cultura assenta em princípios convergentes. Mas a verdade é que esta noção, à primeira vista assustadora, é a maior libertação que poderemos aspirar atingir.


Lucinda gray

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