sábado, 4 de junho de 2011

Crónica Benzodiazepina


Eu, a Vi e os Intelectuais

Eu e a Vi falamos muito sobre temas do dia a dia. Apreciamos, sobretudo, os mais corriqueiros, banais, (aparentemente) desinteressantes, até. Fartas de dar uma de cultas andamos nós, grande parte do tempo (e depois a engolir analgésicos para as dores de cabeça que isso provoca). O mais básico possível é que está bem e quando a conversa começa a subir muito de nível, arrepiamos caminho e regressamos, consentidamente, ao caixote do lixo. Nisso, estamos sempre de acordo!

Há dias, andávamos a tentar chegar a uma conclusão sobre quem tinha tido o namorado mais feio e desengraçado, de sempre. Depois de muita roupa suja esfregada, a Vi lá concluiu: foste tu, miúda, ou já te esqueceste daquele intelectual sempre de preto, que parecia um filósofo, falava de política e punha o pessoal da turma a olhar para ele, como boi para um palácio?
Um tipo enfiado, de aspecto pavoroso, enfim, também andaste com cada um...
Nem respondi. Estava entretida a sugar a polpa viscosa do diospiro enquanto, ao som da palavra 'intelectual', a figura do P. se ia compondo na minha memória. Era o P., claro. Era ele!
Pois fica sabendo, Vi, que o P. era um feio-bonito. Singular. Além disso, levou-me à cinemateca tardes a fio, e fizemos belas sessões de leitura na sua imensa e eclética biblioteca. Apresentou-me Daggerman, Bradbury, Elliot, Blake e até "A Montanha Mágica " devorámos, em conjunto.
Em troca, ensinei- o a beijar. Sabes lá tu o que isso é!

Lembrar-me do P. levou-me por outras paragens. Fez-me pensar na extinção dos intelectuais. Aquele intelectual presente em todas as turmas (liceu, faculdade...). Aos 15 anos já tinha lido tudo e mais alguma coisa. Com um conhecimento dilatado sobre diferentes matérias, mas com um discurso agregador, rico e completo ( até para a idade). Sempre solitário, complicado, de poucas palavras... roupa escura, bom aluno. Uma figura bem identificada, que se tem vindo a extinguir, parece-me.
Muito provavelmente está a dar lugar a um outro género qualquer.
 
 
Iolanda Bárria

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