sexta-feira, 10 de junho de 2011
Flop
" - Diz-me, Duarte? Quando é que perdeste a inocência?"
Assustado pela minha postura serena, a mão quieta ou o mais puro bluff, Z., o homem de olhos claros, aparentemente sem pêlos, atira a pergunta a ver se eu assumo a fraqueza.
" - A minha inocência? Ou a minha inocência em relação ao amor? Porque eu já perdi as duas.
- A tua, claro."
A inocência perde-se com a ideia da morte. No confronto com a última das ironias, a vida resume-se ao correr contínuo contra o tempo. Tentar esquecer o destino fatídico que nos matará no fim.
" - A minha inocência foi-se há muito tempo. Perdi-a no momento em que disparei uma arma, era ainda um miúdo. Fui caçar com a espingarda de chumbos do meu pai. O pássaro caiu no meio do caminho a estrebuchar. Teimava em não morrer. Fiquei desesperado, a tentar de todas as formas terminar com o sofrimento da ave.
" - Torcias-lhe o pescoço!"
Disse o marinheiro na tentativa de retirar dividendos do monte de fichas à sua frente.
" - E torci! Rodei e rodei e rodei, mas não havia maneira daquilo quebrar. O bico a abrir e fechar, as patitas a tremer. Bati com ele contra uma pedra e nem assim. Foi quando num assomo de coragem assassina, decidi arrancar-lhe a cabeça do corpo. Desatei a correr para casa da minha avó, para o meu quarto, a chorar. Sujei a almofada de sangue e nunca mais voltei a pegar numa arma. A inocência do amor foi, ainda assim, mais indolor. Perdi-a quando traí a Xana pela primeira vez. Também chorei, é verdade, mas nem por isso deixei de o voltar a fazer."
Quando me calei, já os pares de cartas tinham sido atirados de costas voltadas para o azul indigo da mesa.
DuArte
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário