sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011


A linha da discórdia

Um homem estava só por estar, estando, sem mais nada que fazer. Tinha uma vara na mão e riscou no chão uma linha. Mas, sendo a terra demasiado dura em determinado ponto por onde passou o seu traço, a linha desfigurou-se e pareceu ter sido apagada. Pondo-se a mirar a sua linha o homem notou que ela, no seu início, era nítida e marcante; depois, aparecia entrecortada; e no final, ostentava um sulco de um riscar mais cansado, mais ténue.

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Passando alguém pelo lugar onde estava o homem e a linha – a linha interrompida – deteve-se a mirar, a contemplar a obra do homem. E após um exame sumário o visitante exclamou:
"- Gosto muito da tua primeira linha, gosto mais do que da segunda. É mais cheia, mais vigorosa. É uma verdadeira linha, sem desvios..." Nesse momento o homem atalhou o visitante e disse-lhe: "Espera, tudo isto é só uma linha, ainda que não se veja claramente. É tudo a mesma linha, mesmo que mais óbvia e escorreita no início, só desaparece por um lapso devido à dureza do terreno em que a tracei. Repara que mais à frente lá está ela de novo, ainda que mais esbatida. Contudo é sempre a mesma linha, uma única linha, com intensidades diferentes."
Porém, a dúvida assombrou a fronte do visitante que, fixando os olhos esbugalhados na linha, lhe contestou: "- Não, ela poderá vir a ser uma linha, mas terás de lhe acrescentar uma terceira linha, que una as duas primeiras. Só assim a tua linha será uma verdadeira linha, uma linha contínua, ainda que feita com tracejados distintos." Assim fez o Homem logo de seguida: pegou na vara que segurava e riscou com vigor redobrado o espaço entre as duas linhas patentes.

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Supreendido com a súbita atitude do homem, o visitante, enquanto examinava muito atento "a obra", armou um ar de dúvida e rematou: "- Agora sim, é uma linha real e contínua, ainda que constituida por três partes. De qualquer forma, gosto mais da tua primeira linha - é ela a marca que marca o destino das outras duas."
O homem por seu lado estava ufano, não cabia em si de alegria e regozijo: acabava de traçar os limites do seu território. Era enfim um proprietário.


Joshua M.

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