sábado, 9 de julho de 2011

Crónica Benzodiazepina


Onde reside a força do espírito

Onde reside a força do espírito? Na capacidade de controlarmos os nossos sentimentos, não nos subjugarmos a eles? Ou na capacidade de os identificarmos, assumirmos e vivê-los? Garanto que a pergunta é legítima e não acredito que a resposta seja simples. Repare-se no exemplo de Elisabeth I, uma mulher que apesar de fogosa, se casa com o Estado, tornando-se o mais forte dos reis ao transformar-se em “Rainha Virgem”. Vergou o Papa e a Igreja Católica, França e Espanha e as suas próprias paixões, conduziu um reino a uma era de oiro sem precedentes. A moeda de troco? O seu próprio corpo que se transformou no túmulo das suas mais belas e genuínas emoções. Selou-se atrás de uma máscara onde guardou todas as suas tristezas, sonhos e vontades humanas. Ao invés, o seu pai, Henrique VIII, usou o seu poder em nome das suas vontades mais negras ao mandar assassinar as suas esposas, entre elas a mãe de Elisabeth, para poder voltar a casar, defendendo, ao mesmo tempo, a hegemonia da então hipocritamente puritana religião católica.
Claro que a minha simpatia, bem como a empatia histórica, recai sobre Elisabeth. É incontornável a força que a animava. Mas a um nível mais “plebeu”e actual, a questão mantém-se. Onde reside a fronteira entre aquilo que exigimos de nós próprios, o que o mundo nos exige e o que realmente desejamos? Vejo vidas sacrificadas em nome de uma família, de uma carreira, de uma dinâmica consumista que nos mantém apenas entretidos. Vejo pessoas agarradas a princípios morais que nunca questionaram, apenas herdaram, lutando para esconder a sua própria verdade, a sua verdadeira vontade, ou pior, sem a conhecerem sequer… Pessoas que se prevê tenham como recompensa num futuro, sempre demasiado breve, o silêncio de um lar desabitado, uma reforma incerta, ou muito dinheiro que nunca comprará o tempo mal dispensado, alguma, senão muita, solidão, doença e morte. Para elas, onde ficou aquele mundo em que os pássaros cantam, as rãs coacham, a lenha arde e aquece, as estrelas brilham, a chuva molha e tudo está no lugar certo?
Por outro lado, vejo pessoas que sucumbem às suas emoções recolhendo-se no conforto da vitimação. Julgam-se, assim, seres mais poéticos e espiritualmente mais puros, sempre qualquer coisa mais, com o menos que julgam que a vida lhes deu…. É o terrível poder da vítima, verdadeiros vampiros de afecto e atenção.
Não descurar os que querem estar a bem com deus e o diabo, vestem o fato, ou o tailleur, vão ao Domingo à missa, apontam o dedo ao vizinho e à vizinha, e depois, comportam-se secretamente como adolescentes salivantes por qualquer coisa, seja o que for, que os recorde que estão vivos, muito vivos, mas de preferência, por muito pouco tempo.
Onde está o prumo? O termo certo?
Creio que dentro de nós. Talvez no único casamento possível, naquele que acaba com a dicotomia entre o espírito e os sentidos. Pondo fim a séculos de angústia intelectual e física. Mas, para o encontrar, o primeiro passo talvez seja começar por definir o que é força de espírito. Um instrumento que julgo indispensável para uma cruzada que começa no reino mais complexo de todos, o da interioridade.
Muitos de nós, por momentos, fomos Elisabeth e Henrique VIII, fomos também o idoso na casa vazia, ou aquele que dela parte sem lá regressar. Não é o que fomos que mais importa. O que importa é que não seja indefinidamente o mundo, o colectivo, a comandar os nossos actos, mas sim nós, no exercício pleno da nossa vontade, que saibamos viver num mundo que escolhemos ou recriamos, seja ele qual for, desde que não seja sob signo da douta ignorância ou da cobardia.
 
 
Lucinda Gray

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