sábado, 23 de julho de 2011

Em memória de Lucien Freud (Berlim, 8/12/1922 - Londres, 20/7/2011)


Carne Viva

O meu primeiro frente a frente com a obra de Lucien Freud, aconteceu em Barcelona, numa grande retrospectiva da sua pintura e não correu nada bem.
Tantos nus e tanta carne exposta agoniaram-me, de alguma maneira. Aquela impressão crua e rude por todo o lado… Vi o que tinha a ver e saí, aliviada. E “pálida”, como bem notou o P., quando nos encontrámos, já na rua.
Desapontado com a (aparente) falta de sintonia entre mim e a obra de Lucien, mas compreensivo e sempre generoso com os seus conhecimentos, P. achou que era boa altura para me levar ao bar mais mal frequentado de toda a Catalunha. " - Vais ver - segredou-me -, é onde se preparam as mais fantásticas margaritas de todo o universo”. E era! Além de deliciosas eram tão simpáticas que se voluntariaram logo para me levar a palidez e o mal-estar. A esta distancia não sei dizer bem se foi disso, se da companhia, ou simplesmente da consequência trágica do que fica inacabado, o certo é que no dia seguinte dei comigo novamente em frente àqueles quadros. E no outro. E, depois, no outro!
Lucien Freud diz que «a aura que se liberta de uma pessoa é tanto parte dela quanto a sua carne» e é esta dimensão orgânica que lhe interessa captar para as telas que lhe saem das mãos através dos grossos pincéis de cerda de porco. Importa-lhe sobretudo o espaço físico que ocupamos e o efeito que isto produz à nossa volta. Por isso, observa e analisa aturadamente os objectos (corpos) que pinta, quase à exaustão. Daí tanta carne. E isso é tão verdade quando pinta o avantajado actor porno, Leigh Bowery, a rainha de Inglaterra, ou a sua própria mãe. Diz: “Gosto de ver as pessoas tão naturalmente e fisicamente à vontade como os animais” . Freud não faz retratos, tem horror à imitação, antes «pinta a pessoa real» intensificada, com rugas, varizes, cicatrizes, gordura…
Passa-se uma vez em frente ao quadro e vemos uma pessoa que nos é repugnante. À segunda, já é repulsiva. E a partir da terceira, já é quase atraente…
Sendo neto de Sigmund Freud, não deixa de ser curioso este interesse quase obsessivo pela dimensão fisiológica em detrimento da psicológica. Gosto de pensar que é uma embirração dele contra a tralha psicológica com que o entupiram durante a sua infância e juventude. Uma libertação!
Seja o que for, para mim, os quadros de Lucien Freud estão, além de tudo, impregnados daquela quase fatalidade que a arte carrega e que tanto fascina: não terminam quando acabam…
 
 
Iolanda Bárria

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