quinta-feira, 3 de março de 2011

1º ANIVERSÁRIO D'"O FILÓSOFO E O FANFARRÃO" (III)


Morte

Todas as atrocidades a que somos sujeitos desde que nascemos, ruas e ruelas pelas quais enveredamos às apalpadelas cheias de uma agonia silenciosa, a que alguns dão o pomposo nome de “liberdade”, deverão servir para alguma coisa. Eventualmente, para cada um de nós uma coisa diferente, género, fato feito à medida, possivelmente, aquele fato que envergaremos quando partirmos deste mundo. Quem sabe? Tenho andado a tentar “consertar” a minha alma. Pô-la de acordo com a estação do ano. Sei que ela está desejosa por poder ser leve e frívola. Mas a coisa não está muito fácil: sempre que ela sobe um pouco e se aclara, uma nuvem passa e faz questão de se afirmar. A morte anda a rondar. Pessoas boas, de quem gosto estão a partir. Agora é o meu sogro, antes foi o pai de um amigo e antes ainda o irmão de um outro amigo querido. Amanhã?
Julguei que não se morria no Verão… Não de morte natural. Pensei, de acordo com a minha experiência até então, que isso só acontecia no Inverno, em dias impreterivelmente chuvosos.
Percebi, há pouco, que somos seres tendencialmente egocêntricos. A morte, que é dos outros, daqueles que morrem mesmo, acontece-nos sempre a nós, mais do que aos próprios. Ou, então, é a representação dramática da nossa morte que se avizinha, ou de alguém que já perdemos. Nosso, sempre nosso, nosso pai, nossa mãe, nossos filhos, nossos amigos e amigas… sempre nossos. É verdade que o sinto sempre que uma parte de mim morre…
No fundo, é como se, ao longo da vida, todos os enterros fossem sempre um único, na verdade o nosso próprio, a que nos é dado o privilégio de assistir. Não morremos de uma vez só, vamos morrendo assim, de enterro em enterro, a pouco e pouco.


Lucinda Gray

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