quinta-feira, 31 de maio de 2012



O PRINCÍPIO DO FIM 

Hoje. Hoje. Hoje comecei a matar-te. Vou desfazer, bocado a bocado, cada pedaço de memória. Vou esmigalhar a imagem do teu rosto. Vou pisar vezes sem conta as recordações do teu corpo. No meu corpo. Vou destruir infinitamente todos as horas, minutos, segundos em que te amei. Vou meter-te numa caixa com fechadura e vou colocá-la num lugar inatingível onde ninguém possa tocar e onde morrerás lentamente, lentamente, a chamar por mim. Ou melhor, vou abrir uma cova bem fundo e enterrar-te lá. Cobrir-te-ei então de pedaços de tudo e de nada para que não consigas voltar a perturbar-me. Nunca. Nunca. Nunca.


Carmo Miranda Machado

quarta-feira, 30 de maio de 2012


Conta-me estórias

Finalmente (só porque não me apetece estórias de era uma vez, desta vez) um Sapo preparava-se para atravessar um rio a nado quando um Escorpião, de tom ligeiro e suave, o abordou: “Bom dia caro Sapo. Vai para a outra margem? Será que me podia levar nas suas costas? É que eu não sei nadar”. Ora o Sapo apressou-se a compensar a falta de celeridade motora com uma rapidez de raciocínio estonteante: “A fama dos Escorpiões precede-vos. Sei bem do que são capazes e não sou assim tão ingénuo. Não quero ser picado”. Mas o Escorpião, está bom de ver, não se deteve. Desempoeirou as armas de sedução massiva, vestiu a pele de cordeiro e apelou à lógica e ao raciocínio apurado do Sapo: “Eu nunca faria tal coisa caro Sapo, pois se o fizesse enquanto estava nas suas costas, morreria também afogado”. Perante tal argumento anti-falacioso o Sapo acedeu ao pedido do Escorpião. Tinha o Sapo dado não mais de quatro braçadas e já o Escorpião estava de espigão em riste, pronto a picar mortalmente o desgraçado. Enquanto os dois se preparavam para se afogarem, o Sapo, incrédulo com a ilógica atitude do Escorpião, pergunta: “Mas... Porquê? Assim também vais morrer”. E lá responde o Escorpião: “Porque é essa a minha natureza”. 


Bruno Vilão

terça-feira, 29 de maio de 2012

Palavras Versadas



camaleão

os vizinhos cultivam pequenas hortas de estupidez
de subsistência. nada lhes invejo, apesar de amiúde
trocar cebolas com alguns, porções acesas de açúcar
ou formigueiros na colher dos milagres. isto quando
sirvo jantares de orquestra, que requerem preceito e
rigor na forma de trajar a pele agridoce com harpas
e violinos até aos joelhos. a música permanece única
visita que me pede verdura na alma. passeio a cauda
revestida a lantejoulas pela casa.

a vida faz-se em redor de aparências gourmet, tábuas
de queijos, desejos fumados, receitas de encefalopatias
multiformes e multicolores e o contraste em tons de
cliché no escorbuto e na subnutrição televisiva. pára
de me lembrar que a morte é a verdadeira cozinha de
fusão! pára de me lembrar seja do que for! às vizinhas
devoto-lhes mãos pelas coxas escorregadias, e é tudo.
sim, é tudo. pelos corredores demora-se o odor grosso
a sexo e fritos acabados de fazer.

ah quem dera voltar à casa que sonhei com vista para
a pena capital. esta vida é tudo tão depois. assomamos
à varanda como se houvesse em nós um músculo que
quer espreguiçar-se e, então, são colinas a ir-se embora,
debaixo da língua amor, colinas que desaprendemos por
causa da rarefacção da altitude, cada vez mais embora,
dão lugar a novos vizinhos, moram longe. os cigarros
agora são crime de fogo-posto, já não se deixam mais
cavalgar pela poesia, dão coices nas estrelas.

os vizinhos depositam luxo nos contentores suculentos
da separação. no fim da tarde trocam campainhas, para
a fotografia. e conversam, sociabilizam. lavam os carros,
como pilatos. assinam a vida de cruz. banham-se em café.
criam animais de cativeiro azul. ao domingo inventam lixo
nos outros dias inventam domingos. têm jardins penteados
geometricamente. escondo-me na folhagem. sou imune à
solidão alheia. na entrada do prédio afixaram avisos sobre
a próxima manutenção do elevador da felicidade. sempre

encravado, a semana passada chamei o piquete.


Renato Filipe Cardoso

sábado, 26 de maio de 2012

Crónica Benzodiazepina



COMO MANTER UM CERTO NÍVEL DE INSANIDADE

Manter a insanidade é essencial à saúde mental. Assim, aqui vão algumas ideias:

1. No seu horário de almoço, sente-se no seu carro estacionado num local de passagem, e aponte um secador de cabelo aos carros que por si passem. Observe se eles diminuem a velocidade.
2. Sempre que alguém lhe pedir alguma coisa, pergunte se quer batatas fritas a acompanhar.
3. Sempre que alguém lhe disser algo, seja o que for, responda: "Isso é o que tu pensas!"
4. Termine todas as suas frases com: "de acordo com a profecia".
5. Ajuste o brilho do seu monitor ao ponto de iluminar toda a sua área de trabalho.
6. Não use pontuações.
7. Sempre que possível, pule em vez de andar.
8. Pergunte às pessoas de que sexo são. Ria histericamente depois delas responderem.
9. Cante na ópera.
10. Se for a um recital de poesia, pergunte por que razão os poemas não rimam.
11.Comece a imitar alguém que encontra diariamente na sua forma de vestir. Pode ser o seu chefe.
12. Quando levantar dinheiro no multibanco, grite.
13. Ponha um mosquiteiro em redor da sua secretária e um "CD" com sons da floresta a tocar.
14. Se tiver filhos, à hora do jantar diga: "Devido à situação económica, teremos de mandar um de vocês embora."
15. Sempre que lhe apitarem no trânsito sorria ou então ria, ria, ria, ria...


Carmo Miranda Machado

sexta-feira, 25 de maio de 2012


Pois seja, Custódia!

Nunca li este livro. Mas é inegável que tem um óptimo aspecto gráfico. A primeira edição (de autor, na imagem), saiu em 1960. Curiosamente, tem uma aparência muito actual: lettring moderno (título em caixa baixa), tamanho tipo-bolso, excelente para transportar e ler no combóio...

Mais ou menos entre as décadas de 30 e 80, sobreviveu uma 'máquina literária' portuguesa muito peculiar, e isto desde o design gráfico dos livros, ao próprio trabalho de impressão, as ilustrações e, claro, os escritores. Trabalho e criatividade injustamente ignorados e esquecidos ao longo de décadas (é sabido que fome mais analfabetismo profundo e prolongado, não casam bem com livros e escritores).

Repito, não li o livro. É bonito e eu perco-me com coisas bonitas. Além disso, tem um título com personalidade e na 44 diz isto: " - Eu não tenho estudos, mas aprendi a ler com o meu primo, antes de casar. Foi a Custódia que me obrigou: "Aprende a ler, homem, que vale a pena. Quem não sabe ler é só meio homem".
Cá está, vou lê-lo!
 
 
Iolanda Bárria

quinta-feira, 24 de maio de 2012


BioOutro

Nessa biografia, sua veste se comprime feito lírios murchos pelo tempo. Você caminha pela sala, os quadros tortos e sinuosos, inertes perante a invalidez de sua rotina. O silêncio é absoluto e nada mais há de absurdo em sua fala, em seus atos e comprometimentos. O absurdo, ente que habita seu corpo infame, apresenta-lhe à sociedade como o cálculo do nada. O absurdo é o nada, pois não lhe cabe no sulco da alma a distinção entre erros e acertos. Maniqueísmos banais, ainda que suportes para o bom trato não lhe pertencem. A casa comporta odores libidinosos sangrados no vácuo; seja corpo, seja morada escura com quartos, sala, cozinha, banheiro, entrada. Você esqueceu o mistério mais vívido das palavras, a exemplo de morada. Sinta a rima, os morfemas, a sonoridade, a semântica, o eco, tal ser que se instala em aconchego nos braços da mulher amada, flor que brota do chão do quintal pronta para o vaso da sala, bilhete espalhado pelos cantos a cada distância afugentada, sino que toca no horário da mesa posta em noite calada. Viva este absurdo: florescer no outro, jardim do seu ser a cada instante amado.


Manuela Barreto (Brasil)

quarta-feira, 23 de maio de 2012



Acreditar para lá do que não vês 

Tendo em conta que é a nossa interpretação a ditar aquilo que percebemos, poderíamos, sempre que percepcionamos algo que nos perturba, interpretar esses motivos como não verdadeiros.
Pode parecer uma negação da realidade, mas, dado que é a interpretação a determinar a “verdade” que cada um vê, esta atitude, reconhecida por alguns como sendo de fuga, acaba por resumir o único poder ao nosso dispor. E é um poder incrível.
Apesar de, no princípio, este processo dar a sensação de nos conduzir à demência, ele limita-se a atestar a loucura já existente. É inacreditável que, perante as múltiplas escolhas que nos vão surgindo ao longo da vida (e da experiência nos garantir que bater com a cabeça na parede não é fixe), nós decidamos quase sempre em favor da separação, do corpo, da culpa, da dor e da morte.
Paradoxalmente ou não, é o reconhecimento de que estamos doidos varridos o principal catalisador no processo de cura, já que é esse sentido de impotência que nos faz abrir mão de acharmos que sabemos o que é melhor para nós, e nos leva finalmente a pedir ajuda.


DuArte

terça-feira, 22 de maio de 2012

Palavras Versadas



no topo do poema

encontrei apenas uma saída
para a linha seguinte da vida
desci o degrau dessa ideia
fui descendo sem pressa nem veia
até que o poema ficou muito mau

pensei parar a mão por ali

mas ainda não tinha dito nada
tão limitado que estava
a passar pelo verso a cada linha calada
pensava que podia uma verdade
descendo a fala dura a cada estrofe

o verdadeiro já não vinha da idade
de quem morre como quem sofre ao partir
da nostalgia da palavra gerontologia
ergui barricadas entre mim e a cidade
decidi viajar ao centro de decisão
de compor nestas palavras novas
procurar a via de qualquer razão
exposto às montras da novidade
do poder da idade das trevas
onde mora o fundo do mundo
o inferno de todas as religiões
as almas e os corpos aos milhões
de poemas escritos sem ideias
sem rima nem aritmética silábica
sem piada nem nada escondendo
apenas a palavra aventada
entre o olvido de uma folha
e uma página virada
apenas o morfema

na base do poema


Joshua Magellan

domingo, 20 de maio de 2012

sábado, 19 de maio de 2012

Crónica Benzodiazepina


 

QUANTO TEMPO MAIS?

Olho em volto e observo gente acorrentada às rotinas, aos afazeres, às obrigações, às vidinhas. Não os critico. Também já fui assim. Também já corri de manhã à noite, de um lado para o outro, saltitando entre diferentes lugares, para pura e simplesmente fazer dinheiro. Claro que me gastava, claro que me acinzentava porque, quando se corre apenas com esse objectivo, a vida começa a ficar sombria. Eu tinha dinheiro mas faltava-me o tempo. Tinha dinheiro que esbanjava nas maiores futilidades que se possam imaginar e assim, fui percebendo que não valia a pena trabalhar uma semana inteirinha a aturar pessoas sem me apetecer, para a seguir comprar umas sandálias Gucci ou Prada, ou simplesmente um anel, mais um anel, mais um, só mais um para acrescentar à minha lista interminável. Para quê? Felizmente, tenho o suficiente para viver. Não tenho mealheiros porque nunca gostei de mealheiros. Adoro parti-los e gastar. O dinheiro para mim é como o ar. É etéreo. Desaparece-me. Foge-me por entre os dedos e eu não dou por isso. E gosto desta sensação.
Hoje optei por ter mais tempo e menos dinheiro. Sobra-se em tempo o que me falta em euros. Mas não me arrependo das opções tomadas. Recusei alguns trabalhos que me iriam estupidificar e eu já alcancei um grau de consciência em que sei que não quero estupidificar-me. E o trabalho, de todas as actividades que eu conheço, é a mais estupidificante de todas, se excluirmos os afazeres domésticos. Por tudo isto, decidi seleccionar os meus trabalhos, optando por escolher apenas os que indubitavelmente me dão algum prazer. Espero não voltar a fazer fretes para ganhar dinheiro. Espero poder aproveitar o meu tempo ao sol ou à chuva, acompanhada de um bom livro, dos meus gatos, dos meus amigos... De que me vale ter dinheiro e não poder usufruir dele senão para as futilidades com que nós, mulheres, gostamos de nos prendar?
Quanto tempo mais é preciso para nós compreendermos que o estúpido que inventou o trabalho deveria ser chicoteado em praça pública? Quanto tempo mais para percebermos que nesta azáfama já não sobra tempo para amar. E a pior coisa que pode acontecer é ouvirmos alguém dizer: "Não, não tenho tempo para ele/ela!"


Carmo Miranda Machado

sexta-feira, 18 de maio de 2012



Sem res-sentimentos

“És sempre a mesma coisa!”, disse-lhe eu muito irritado. Ela indignou-se, achou injusto que a sentenciasse assim tão sumariamente – “como podia alguém que a amava ser tão crítico e administrar um acicate psicológico tão negativista!?” Estávamos para ali atirados os dois a arguir razões de que nenhum de nós dispunha, ambos deixáramos de ter razão antes de todas as palavras em que nenhum de nós foi racional. O nosso último reduto era unicamente a falta primeira de razão do outro; e essa era a nossa razão mais segura. Dissemos coisas que não devíamos, e ficámos mudos ao perceber que a voz pode ser uma bomba com um efeito nuclear e letal, se transmitir por palavras as ideias com a carga de urânio e plutónio certa. O rastilho de uma bomba sentimental acende-se com motivações pouco razoáveis, com mágoas que caem no estômago como indigeríveis pedras e por ali ficam alheias aos porquês do afecto. Discutimos, até que as palavras se nos azedaram nos lábios crus. Zangámo-nos veementes, inamovíveis. Achámos que era melhor cada um de nós seguir o seu caminho, separámo-nos verbalmente. O vazio dividia os nossos mares, para deixar passar uma torrente de diferenças insanáveis, tal como na metáfora de Moisés. E por ali acabámos tombados na promessa de queimar o futuro que julgávamos não ter, deitados numa insónia em quartos separados. Fiquei algumas horas sem conseguir a reparação do sono que previa agitado. Passei a atenção por um programa sobre o Maio de 68 e não pude aguentar mais tempo separado dela. Subi ao seu quarto, acordei-a com beijos, abraçámo-nos, chorámos ambos nervosamente sentidos, sentindo na boca o sabor de uma perda plausível. Despertámos para a ternura, tomámos um chá e comemos torradas. No dia seguinte, fomos até à beira-mar passar o fim-de-semana, como que para fugirmos da explosão de emoções que naquela noite tinha deflagrado nas nossas mentes doridas. Viajámos juntos como se fosse a primeira vez, levando na mala a certeza de que os sentimentos são coisas demasiado importantes para se aventarem como coisas.


Joshua Magellan

quinta-feira, 17 de maio de 2012



Rendição

Há algum tempo atrás assisti a um espectáculo no bar do casino de Lisboa que me agradou imenso. Era uma espécie de dança do varão mas em que este era flexível, estava suspenso no tecto e tinha uma argola tipo hula-hoop na ponta inferior. A menina, vestida somente com uma tanga, subia por ali acima, fazendo muitas acrobacias com a argola, acrobacias que exigiam uma força muscular e uma coordenação de movimentos espantosa. A qualquer momento podia despenhar-se lá de cima. A miúda tinha jeito e era bastante expressiva. Pareceu-me uma mistura de dança do varão com artes circenses. O que eu gostava de conseguir fazer aquilo mas, infelizmente, as minhas aulas de ginástica acrobática, já pertencem a um passado remoto e as de dança do ventre não chegam para tanto.

Voltando ao espectáculo: adorei o final. O varão desceu lentamente com a menina sentada em cima das pernas e apoiada somente pela dobra de um dos braços no aro, de cabeça inclinada numa pose de completa rendição. Ou, pelo menos, foi assim que senti. Tocou-me aquele desfecho. Revi-me nele, naquele absoluto abandono, o mesmo que sentia nos braços de alguém que pouco tempo antes tinha deixado de fazer parte da minha vida.


Missanga

quarta-feira, 16 de maio de 2012


Terapia

Não era um dia dado a tolerâncias, admito. Mas escusavam de abusar. «Então, bem disposto?», solta a desatenta mas altruísta terapeuta carregadinha de vontade em ajudar, enquanto entro com uma indisfarçável carga dramática sobre a face. Com esta simples, simplista e simplória pergunta, as dúvidas sobre a eficácia dos métodos da criatura instalaram-se. Mas fiz um esforço:

- Olhe, enlevam-me ânsias que repudio. Estou como o Fernando Pessoa: "Uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço".

- Enlé, En... quê? O que acontece mesmo às ânsias?

E pronto. Foi o suficiente para me fazer crepitar o verniz da postura social. Garanto que ainda tentei encenar um “In with anger, out with love”, mas já não fui a tempo:

- Eu estou aqui a pagar-lhe por uma sessão de terapia. Se precisa de uma aula de português, tudo bem. Mas se eu tiver de lhe responder a essa pergunta, não me vai cobrar nada à saída.


Bruno Vilão

terça-feira, 15 de maio de 2012

Palavras Versadas



CINCO MINUTOS DE LUA

eixo? cinco minutos. esta teoria. não
será de outro modo: colocação objectual da
epiderme de nós dois sozinhos. a nossa experiência
invisível no mundo que pontua o i, a estética
residual da boca correspondente às palavras
que se dividem por outras palavras.
umas bem menores. outras não ansiadas. ainda
sem julgamentos ou outra maneira de apresentar
turbulências. ferramentas de música.
e o resultado de um mundo é sempre igual ao seu eixo.
que hoje é cinco minutos. metalinguagem.
cinco minutos que é um atraso ou uma antecipação.
só o tempo o dirá. se ele ainda conseguir
descrever a lua . enquanto silêncio iluminado.


Sylvia Beirute

domingo, 13 de maio de 2012

Provocatio



A intimidade é uma mentira que contamos a nós próprios

Neste mundo, a proximidade a alguém é proporcional ao desconhecido. Começas muito próximo, quase como se fosses o mesmo, e vais afastando-te conforme vais conhecendo (julgando), até que, estando certo de quem está à tua frente, mergulhas no mais profundo afastamento.


Duarte

sábado, 12 de maio de 2012

Crónica Benzodiazepina


Muito bravos, é o que somos! 

Somos um país de bravos e revolucionários! Gente que se move por ideologias.  Basta ver como genuinamente nos preocupam os actuais problemas do Irão, os eternos dramas dos cubanos, ou do Sahara Ocidental. É isto que nos comove verdadeiramente! Inspira os jornais, as conversas e as mensagens das redes sociais, a organização de vigílias... Já a mortandade diária no Iraque, ou no Afeganistão, não nos dizem assim muito...  São guerras chatas, que perderam um certo glamour ideológico. Dizer o quê!

Mais de um milhão de portugueses no desemprego. Famílias devastadas. A ineficácia e o descrédito da Justiça excedem todos os limites de um Estado de Direito. Mas isto não é assim muito inspirador para se fazer barulho a sério e sair em massa para a rua, pois não?

Ainda não!


Iolanda Bárria

sexta-feira, 11 de maio de 2012


Há dias...

Há dias raros em que tudo são inexplicações. Dias em que acordo atónita, como se uma tempestade me devassasse as entranhas. Dias em que nada faz sentido. Dias em que duvido de tudo, em que questiono tudo. Dias em que deixo a solidão entrar-me na alma e fico só a olhar por entre as lágrimas…


Missanga

quinta-feira, 10 de maio de 2012


THE WAY OUT  

Voltou a ser difícil acordar. Voltou a ser difícil suportar esta espera. Voltou a ser difícil trabalhar. De repente, tão de repente, tudo se altera na nossa vida como se fosse o fim de uma etapa. Mas não uma etapa qualquer. Provavelmente, a mais importante, a mais profunda, a mais querida. Porque não será nunca possível esquecer o teu sorriso. Ou os teus braços à minha volta. Ou o teu corpo sobre o meu. Percebo hoje, melhor que ontem e que sempre, que os nossos corpos nunca fizeram sexo. As nossas almas é que estiveram sempre lá, numa verdadeira e total fusão como dificilmente voltarei a viver.

Ando perdida em busca de um caminho para continuar.


Carmo Miranda Machado

quarta-feira, 9 de maio de 2012



A maçã que se confundiu com um Adão

Uma maçã pode achar-se a crescer e viver enquanto laranja. Isso não a fará ser menos maçã. No máximo, ela perderá a noção do ser que é, confundindo igualmente as suas irmãs maçãs por laranjas, dado essa ser a única forma de ela acreditar estar mesmo numa laranjeira.
De tanto as tratar como tal, as outras maçãs parecerão igualmente convencidas de que são laranjas e todas confundirão a macieira que lhes dá vida como sendo uma laranjeira.
Por trás de todos estes filmes está uma linda macieira, indiferente às desilusões da sua maçã. Alimentando-a, dando-lhe todo o amor que precisa para crescer.
Eu não sei quem tu és. Se soubesse, também saberia quem sou. Mas tenho a certeza de que não és nem uma laranja nem uma maçã.
Como poderá a verdade acerca de mim próprio ser-me revelada se continuo a dar crédito às minhas ilusões de quem os outros são? É impossível eu não beber das mesmas ilusões. Acreditar nas ilusões dos outros é fazê-las minhas, não porque são dos outros, mas porque o outro é desde logo uma ilusão minha. Eu só saberei quem realmente sou, quando recusar todas as ilusões acerca de quem são os outros, sem excepções. Não adianta dizer-me maçã, fruto de uma linda macieira, se quando olho em volta só vejo laranjas. 


Duarte

terça-feira, 8 de maio de 2012

Palavras Versadas



alentejo

estica as aves na ponta dos dedos
senta-as no xisto quente em redor
abre os braços, deixa voar a planície
vê o sol respirar na aura do trigo
vê as ossadas de vento nas searas
vê os presságios abandonados por dentro
as casas sem passageiros
e viaja, respira fundo também
percorre as meadas de feno
foge para onde te levar essa luz
de amarelo sonhado
de fadiga torrada nos punhos
leva no bico a terra
e serenatas migratórias
canta baixinho, não acordes
as águas do esquecimento


Renato Cardoso

domingo, 6 de maio de 2012

SEMANA DA LUSOFONIA - Palavras Versadas (VI)



Sob o peso do tempo

Há o peso das demoras
na minha espera.
O atraso do tempo no meu estar
a viagem dos minutos
nos meus dedos.
Há sonhos desvendados no espelho
cobertos pelo pestanejar das rugas.
Tanta cal desconexa pintada em dia de estio
caindo dos muros.
Há o peso das demoras
e as memórias reabrindo caixas, fustigando o acontecer.
A minha espera, vitral colorido pedindo raios de sol...


Laura Silva (Portugal)

sábado, 5 de maio de 2012

SEMANA DA LUSOFONIA - Palavras Versadas (V)



No colo da lua 

Quero olhar o céu
e contemplar a sua sombra dançando
na cadência do meu coração

mergulhar no seu infinito,
no reflexo azul esverdeado profundo,
sentir o cheiro do mundo percorrer-me as entranhas,
falar às estrelas prateadas,
sentar-me no colo da Lua amando a imensidão do universo,
saboreando cachos de uvas pretas adocicadas,
para poder entregar-me a todos os sabores exóticos,
cantando e suspirando pela vida.


Sónia Sultuane (Moçambique)

SEMANA DA LUSOFONIA (V)



Por uma realidade essencial

Na suavidade desta manhã, perco-me nas palavras que não digo. Escrevo-te, à velocidade de um raio de luz, dos meus dedos brotam sentimentos que não controlo e sobre as teclas debito frases e emoções simples, puras e sentidas.
Desde o início dos tempos que te procuro, caminhando sobre a areia da praia, tantas vezes deserta. Perdida, sem norte, por caminhos escusos e frios, por ruelas e becos, procurando-te em cada rosto que se cruza, em cada alma que se sente.
Quantas vezes o meu coração se sentiu dilacerado pela espada da desilusão, quebrado, como se de barro fosse feito. Quantas vezes a minha alma ficou vazia, forrada com fotos de uma memória que trazia, de um passado longínquo onde tu eras presença constante.
No inicio desta viagem pensei ser fácil encontrar-te, mas o tempo tentou apagar a lembrança, e as vidas tentaram esconder-te por detrás de outros rostos sem alma, e, todos aqueles que sopraram contra mim angústias e desamores, esqueceram-se que na minha alma levava gravado o perfume da tua essência.
Podemos ser diversas coisas, mas a essência daquilo que na realidade somos, a matéria inicial, nunca se perde, nunca se transforma, permanece eternamente escrita na génese da nossa alma. Por isso estou aqui, por isso tu também estás aqui, frente a frente, olhando para o fundo dos meus olhos, procurando pela essência de mim...


Maria Margarida Fallé (Portugal)

sexta-feira, 4 de maio de 2012

SEMANA DA LUSOFONIA - Palavras Versadas (IV)


Eu fico em qualquer sítio

onde quer que vá

penduram-se sempre em cabides baixos
as chagas que vestimos hoje

dentro das escadas das gavetas das almas
pediram as lágrimas que as usássemos,
como óleos de sismos nas plateias da desfolhada

dentro de mim a lenta velocidade da luz
agrafa-me o cheiro das mães impuras
como muletas ubíquas
sombras de garras do passado
pântanos de esquecimento da respiração
rios de lembrança do anti-nós

quando se encaracolam os seios da lareira
amasso-me de esquinas que esculpo de ti
em desculpas salgadas nas longas avenidas

dispo-me do pão negro que perdoei hoje
e o sol fresco dos cabides onde te sigo cai em pó nas virilhas das ruas
para que nasçamos reinventivos no útero absoluto das galáxias.

abortei-me da tua esbelta lembrança errática,
prefiro sorver elástico o teu soro amigo
a rodopiar no entretanto das expectativas,
enquanto bodes facilitavam os ossos entre margens.

plantei-me do estertor dos teus erros regurgitados
das lentas lágrimas que se espraiavam,
da espiral medula que pandoraste.

Está um cabide na nossa nuvem.
pendura as tuas lutas
que eu canto nu entre os ouvidos dos joelhos da cidade
que eu canto nu a quem respira o perder
na solidão imensa do ser igual.


Miguel Barroso (Portugal)

SEMANA DA LUSOFONIA (IV)


Dona Preta

Andávamos em grupo no bairro, não havia variedade de cores, mas nuances de tons sóbrios, neutros, chão de barro que, em dias de chuva, tornava-se lama acesa; casas de tijolo escuro avermelhado, de barro, outras vezes, de madeira velha; janelas acinzentadas e desbotadas. Naquela época, não se falava em reciclagem ou reutilização, e nós, de alguma forma, catávamos o lixo da cidade para construirmos nossa moradia ou vasculhávamos entulhos para adquirir enfeites para nossas casas. Passávamos despercebidos e não havia diferença entre nós, havia solidariedade, uma grande família, cujos únicos prestígios eram o afeto mútuo e a história de nossos ancestrais contada de geração a geração.
Lembro que nossas brincadeiras eram inocentes. Corríamos pelas ruas da Liberdade, inventávamos carrinhos de garrafa, de rodinhas velhas amarradas em pedaços de madeira, todos os nossos brinquedos eram fabricados por nós mesmos. Há momentos em que a necessidade provê a criatividade. Também brincávamos de fura-pé, peão, gude, pipa, futebol, então minha avó gritava da janela “menino, vem comer”. A mesa não era farta, mas o rumo da prosa era de um sabor inesquecível, e quão vasta era nossa presença, os doze irmãos. Papai contava sempre a mesma história, minha bisavó era índia e fora caçada por meu avô português, quando teve seus longos cabelos tocados por ele, cortou-os. Não entendíamos muito bem o significado daquele ato, de minha parte, pensava como minha bisa deveria ser uma mulher selvagem. Meu pai era um exímio contador de histórias, com direito a acréscimos e adornos.
Dona Preta, assim era conhecida a lendária mendiga do nosso bairro, movia-se com dificuldade, era cega, a vida dera-lhe a morada no escuro e a escuridão do olhar. Ninguém sabia o paradeiro de seus familiares, era unânime que todos a consideravam chata, palavra bastante indefinível, mas correspondente aos seus atos incômodos. Perambulava num resmungar nada silenciado, sandálias gastas no arrasto do pé em meio às vielas de paralelepípedo. Uma dor de não se caber o quê fazia de suas mãos um segurar de cadeiras, sentava. Era o início do ofício da esmola, a mão estremecia em pesar, chocalhando de um lado a outro, a voz quietava doce e melancólica, até que gritavam de algum lugar: - Dona Preta, esse é preto. Era o suficiente para empunhar sua bengala e mirar ao acaso, com golpes repetidos no ar. O donatário nem sempre era um ser caridoso, era troça, algumas vezes perversa, outras, inocente. A notícia circulava e muitos riam em suas casas, acentuados eram os olhos circundantes. E não importa se os olhos do mundo inteiro possam estar por um momento voltados para o largo.


Manuela Barreto (Brasil)

quinta-feira, 3 de maio de 2012

SEMANA DA LUSOFONIA - Palavras Versadas (III)


Sina

Um soluço
e o que era velho, escuro,
pôs-se a lamentar
a menina de tranças
escuras como a noite,
branca pele, negro olhar
Negros olhos que choram
sob os raios da noite quente,
feitiço imponente do luar

Lembrou-se da primeira estrela,
dos lírios e da primavera
Flores roubadas nos jardins
Das mais queridas, a Dália carmim
como seus lábios de flor,
cor de fogo, alma acesa
Imensa, intensa vida
pulsava ali

Um piscar de pestanas,
esfrega os olhos ainda úmidos,
avermelhados e turvos
do seu interior orvalhar
Rezas, lamúrias
sangram como açoite
nas costas do desterrado,
foragido da infância,
ainda criança começou a chorar

E chorava como sina,
decerto menina
fez-se forte, mais sabida
ou apenas precisasse
aprender a manipular,
colocar máscara de maturidade
matar os sonhos, acostumar-se
com as regras do jogo,
cedo ou tarde
há que se aprender
a fechar os olhos e esquecer.


Joice Furtado (Brasil)

SEMANA DA LUSOFONIA (III)



Começar de mim 

Não sei por onde hei-de começar a escrever. O próprio começo sugere um fim. Os próprios pontos são tiroteios até alguém se queixar de uma dor de cabeça vermelha. Impossível ver um fim quando o infinito se debruça sobre constelações de crianças em roda. A minha consciência esta noite saiu sóbria do bar e pagou uma conta com um queixo partido. A desfigurar a palavra. Cambaleou até ser pequena o suficiente para caber numa sarjeta ou num escape de táxi onde era proibida a entrada a sangue sem álcool. A vida está-me demasiado diluída neste apartamento. As janelas fechadas. Os estores fechados. Nada aqui contribui para uma cratera na atmosfera. É um terror lento, uma esfera que rebola sobre as divisões até me obrigar a sair para a rua. Nada me espera nesta casa senão o conforto e os planos de uma ideia. Planos. Planos. Planos. Terrenos planos em erosão. Esboços de máquinas sem motor. Animais invisíveis que eu apalpo e que os outros apenas ouvem o rugido. Confessionários sob escuta mas sem provas evidentes de algo humano. Pecado, fodas, pecado. Se és humano, ao menos, peca sem medo de seres odiado! Deixa-te apedrejar uma vez na vida para veres as caras a sorrirem com o teu sangue. As tuas larvas em fogo a descerem pelo teu corpo… o teu corpo, a tua bolsa lacrimal inflamável. Aprendi a tirar gotas de mim. Aprendi que o meu corpo é uma mancha sagrada de um petroleiro suicida e um teste de rorschach na respiração azeda de um bêbado, vómito. Ao mesmo tempo, sou um bípede que pinta com as mãos e um soutien provocador de unhas e pele esmurrada. Hoje estou sensível. Pele… deixei-te pendurada no estendal da roupa.


Ricardo Alexandre (Portugal)

quarta-feira, 2 de maio de 2012

SEMANA DA LUSOFONIA - Palavras Versadas (II)


Epigrama de um mundo refeito

Tudo é pronto neste mundo
O resto é só plano de fundo
A causa do efeito
É o fluído rarefeito
Quem procura o poder
Se esquece de fazer
O sino ancestral
Foi forjado no metal
O templo que o sustenta
É a alma que o aguenta!


Nirma Regina Constantino (Brasil)

SEMANA DA LUSOFONIA (II)


A BALADA DO CADELÃO ROUCO

A garota acabava de encerrar uma dança enquanto outra apenas começava. Tumultuada e sangrenta, a dança das cadeiras e das garrafas voando encontrava alvos aleatórios entre os clientes desavisados. “Nada pessoal”, diriam, se além de voar também falassem. Era sempre assim com os frequentadores daquele bar: amigos, amigos; desentendimentos à parte. Desentendimentos marcados por costelas fraturadas e traumatismo craniano, por sinal. E em meio ao mar vermelho-violência estava ele, aquele Moisés inabalável; o profeta do caos que, cantando o refrão de “Não diga que não avisei”, despachava o corpo do violão impiedosamente contra a horda de arruaceiros.
Lamentava muito ter de agir daquela forma, afinal, era o quarto instrumento posto a perder somente naquela semana. Cada vez que lembrava do prejuízo que nem a confusão o fazia esquecer se enfurecia ainda mais, queria ter em mãos algo apropriado - como a espada ou a maça dos cavaleiros medievais, por exemplo – mas, em vez disso, teria que se contentar com o pedestal do microfone e seu kit de apresentação.
Os efeitos eram igualmente devastadores. Potencializados pela fúria selvagem, revelavam fins terapêuticos, no fim das contas, servindo de consolo para a frustração que sentia ao ver a canção inacabada sem esperança de se completar. É bem verdade que parte da culpa cabia a ele mesmo e por incrível que pudesse parecer estava conformado com isso. As outras partes ficavam a cargo dos bêbados encrenqueiros e da falta de seguranças no local.
Aquele ambiente era terra de ninguém, o último resquício dos saloons de faroeste; lá os desajustados faziam leis para os ajuizados obedecerem - o problema é que não haviam ajuizados (e se houvessem permaneceriam do lado de fora, a vários metros de distância). O excedente da penitenciária municipal batia ponto na casa noturna, os aspirantes a marginais os seguiam e dirigiam-se todos para aquele terreno baldio onde a sociedade despeja seus restos.
Como músico, o amor à arte tinha seu lugar de honra, obviamente; no entanto, sua simpatia pelo ofício não se definia por esse termo – amor, para ele, em qualquer formato que pudesse se manifestar, era coisa de gente afrescalhada (evitava a todo custo pensar em ser confundido com esse tipo de pessoa). O desapego dos bens materiais tão comum aos genuínos artistas, porém, ainda era virtude que não fazia questão de cultivar.
As paredes manchadas de sangue, as portas e divisórias quebradas, os vidros e espelhos partidos e todos os demais estragos, em circunstâncias diferentes, seriam motivo de preocupação, mas quem disse que ele era um empresário típico? Enganava-se quem o via como simples proprietário do estabelecimento – e por ele tudo bem que estivessem convencidos dessa imagem. Os negócios escusos e o acordo com a prefeitura (cuja política de segurança pública se resumia em investir na manutenção constante daquele “centro de lazer”) garantiam suas reservas de tal maneira que não tinha por quê se desesperar.
Com a rapidez de um passe de mágica o bar estaria de pé novamente, funcionando a todo vapor, como das tantas outras vezes. E novamente as moscas se reuniriam em torno do estrume do cavalo do bandido. Desde os tempos em que liderava rebeliões no presídio as moscas se juntavam ao seu redor, não foi à toa que em detrimento aos apenados mais exemplares justamente ele tivesse a pena “revista”. Para quem se espremia numa cela imunda abarrotada de vermes mal-cheirosos a liberdade condicional gerenciando a boite era como prestar serviço comunitário, um verdadeiro “upgrade” na carreira.
Mesmo com todas as regalias o Cadelão Rouco não estava feliz. Faltava uma última “realização”. Finalizaria “Não diga que não avisei”, nem que para isso tivesse que passar por cima de vários cadáveres… de desavisados.
 
 
Rinaldo Leriano (Brasil)

terça-feira, 1 de maio de 2012

SEMANA DA LUSOFONIA - Palavras Versadas (I)


No meu lugar

No sorriso sereno. No teu olhar.
No teu abraço. No ficar.
Nas madrugadas conversas
No dia a despontar.
Nesse beijo ainda ensonado ao acordar...

Estou onde quero estar.


Rute Caldeira (Portugal)

SEMANA DA LUSOFONIA (I)



Sonhos Meus

Pensei que fosse ficar com ciúmes.
Que me fosse roer de inveja e até de arrependimentos.
E até atrevi-me a suspeitar de uma insanidade temporariamente constante, insanidade de sentimentos e danças loucas de passados próximos.
E ainda fiquei inerte ante as ondas do mar de ontem... ondas invisíveis e sinaleiras de um presságio bom e doce.
E sim, houve umas fagulhas de sonhos sexuais e fantasias de risos esperançosos.

Tristemente, durante esse tempo todo tinha uma canção que se repetia na minha mente, uma melodia inesquecível que ousava em ignorar e usava a auto-piedade em momentos de sonhos concretizáveis.
E sem querer, deixei de sentir a luz do sol na minha pele,
Deixei de sentir o sabor do vento em meus lábios,
Ousei exorcizar Fernando Pessoa, Vinicius, Blake, por um punhado de asas de plástico.
Não me leves a mal......(tu, ser inanimado e sem nome) pois não me encontro em posição de lançar ao ar o que já me fez respirar!
Estou neste momento a pôr expectativas no meu futuro incerto,
A dar esperanças a noites solitárias e alegres,
Fazendo de uma aventura um caminho de regresso a casa,
e dos meus anseios longínquos certezas de um final feliz.

Minha vida é um conto de fadas,
Eu sou uma princesa,
E os animais falantes são os pequenos tesouros que tenho ao redor.
Eu acredito em finais duradouros, esgotantes, duros, trabalhosos e felizes!!!

No fundo sou uma menina que quer brincar de véu e grinalda e dar beijinho de selo no menino com olhar selvagem e toque leve pluma.


Anja Rakas (Moçambique)