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sábado, 17 de julho de 2010

SETE DIAS SETE PECADOS - A GULA (II)


Vade-mécum da gula (edição de bolso)

Hoje amar-te-ei com mais apetite ainda, aguçado pela abstinência da última sexta-feira que dizem que foi santa.
Deita-te, meu amor, e deixa-me preparar-te. Passarei suavemente pela tua pele um óleo perfumado a desejo e voragem, lascívia amaviada de sonhos meus. Sentirás o toque indulgente da magia por segundos, em laivos inconscientes de prazer depurado. Salpicar-te-ei depois com o roçar dos meus cabelos e far-te-ei adivinhar a sensação da minha pele na tua.
Ao som quase ignorado de Lullaby, temperar-te-ei com o exotismo do açafrão das Índias na busca de uma cura que não desejo e regar-te-ei com grãos do Paraíso moídos num qualquer ritual ancestral desconhecido. Já salivo na ânsia do teu sabor enquanto os teus olhos não me mentem nem me matam.
Ainda esperarás o tempo devido para marinar e então, só depois de atingires o ponto efusivo do limiar da loucura, me sentarei à mesa para pecar contigo, sem guardanapo ao peito.
Passarei as minhas mãos no contorno do teu rosto para mais uma vez sentir a cor dos teus olhos e deixar transpirar a fome de ti. Deixarei escorregá-las pelo teu corpo até o sangue correr em frenesim. E pararei, inconsciente, quando chegar àquele estado de ebulição que me levará quase à suprema satisfação que só o pecado oferta. Entregar-te-ás sem resistência se não queres assistir à extinção do prazer nosso.
Compreende, amor, que és um gourmet de degustação primorosa e exclusiva, com o tempo parado nos ermos do mundo enquanto o nosso ritmo avança, numa clandestinidade deliciosa.
Não olhes para trás que eu só amo à sexta-feira, como os The Cure. Nos outros dias, os de dieta medicamente recomendada, apenas sobrevivo à sede de te amar todos os dias.
E vou querer-te mais que não me contento nem com a cor dos teus olhos nem com o calor do corpo teu.


Berenice Greco

sexta-feira, 16 de julho de 2010

SETE DIAS SETE PECADOS - A AVAREZA (I)


Almanaque doutrinário do avaro

Considere estas indicações como advertências vitais para a sua aridez de espírito.

No dia 1 de cada mês, não prodigalize a sua vontade de partilhar o que possui. Ao quinto dia, reveja o inventário dos haveres que ainda não detém. No décimo dia, reinvente estratégias mesquinhas para fazer render com juros o seu lado mais mofino. Dia 15 é a data ideal para cobrar a onzena aos seus devedores para que estes, caso quebrem o contrato, paguem mais as usuras devidas, – a sua tendência inata de agiota saberá tratar disso no momento. No vigésimo dia do mês, não se esqueça de fazer dobrar os sinos pela generosidade que nunca conheceu nem nunca lhe bateu à porta. Dia 25 é dia de contabilizar as migalhas que encontrou nos bueiros bafientos da cidade desde o passado dia 26.

Entrementes, poderá montar guarda ao cofre em defesa dos bens que trazem o mal aos outros.

Ex nihilo nihil


Berenice Greco