quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

SETE DIAS VEZES POESIA (III)


O pior poema deste minuto

Todo o silêncio é sulfúrico quando nasce morto o diapasão da normalidade
de bisturi como batuta enquanto esculpia poemas na carne fria

lembrou-se dos estupros dos selváticos monstros encavalitados na sua mãe

entre os silêncios sulfúricos que migravam para as gavetas subliminares
e os uivos com palmadas no dorso do depósito de esperma maternal
seus sonhos faziam greve

um olho suicidário escolhia uma lágrima e escarrava flores de ferro forjado

acostumara-se a desenhar frases bíblicas no torso em frente ao espelho
a agrafar as pálpebras ao som do crepitar dos membros que ia partindo
para pandorar melhor as imagens e assim construir os monocórdicos desejos

um dia escolheu uma grávida e com ela ainda viva mastigou o feto
recordou a fivela do cinto escondida por trás dos joelhos como um diapasão cru
e o sémen selvático de um macho a orquestrar nas cordas vocais

foi o inverno em que as gotas floresceram e o vermelho férreo das menstruações
lhe gatilhou os traumas da putrefacção do paladar cósmico

quando apenas o aroma graálico dos lábios da cidade feminina em decomposição
lhe oferendou uma já muito tardia mas esperada erecção

quando dentro do frigorífico o bolor do funil que lhe servia de expiação o exilou
na apneia castrada das suas projecções patologicamente pintadas nos cadáveres
que congelados simbolizavam a crença de um futuro mais que per si feito

hoje o bisturi não se cansa e fermenta o universo que lhe empareda as sílabas
as sombras unidas pelos joelhos risos sonâmbulos e vedores que caem dos tectos
ecos palpáveis feericamente rebeldes que gritam larvas autoritárias na sua leitura

o punho frígido fogueira-se e mimetiza a catapulta da respiração ansiolítica
ele quer aprimorar a obra mas o devir ainda debita sangue e sabor metálico
como uma anestésica semente desinteressada no caos poético dos mundos
uma sesta ufana -merecida- em posição fetal numa semiendeusada fasquia libertária
orgias oníricas com freiras quentes e pecados elasticamente prazenteiros
constelações de conchas laminadas na purga incessante das percepções pulsantes
estupefactrizes cúmplices no muro de gás cinestésico dos ódios ao amor
os ósculos libertários nas salivas secas do imobilismo cândido e conivente

interessam lá os palácios erigidos que sugam os mamilos das civilizações
interessam lá os demónios que não lhe desnudam a genialidade canforada
ou os felinos amantes que adormecem na erosão suada da plenitude humana
ou as santidades amolgadas pelos avanços tecnológicos das esquinas citadinas

com o clitóris peçonhentamente ébrio entre os dedos em direcção ao inferno da boca
emancipa-se o anacronismo do físico fugaz nas vísceras do arco íris dos anciãos
e surge a vagem cremada pelas rugas desfolhadas da memória dos eclipses

em cada corpo desmembrado correm na espiral dos poros cápsulas de poeira pura

as dúvidas como dívidas incham o mirrar das veias oportunisticamente compreensivas
e crente e extasiado contrata numa flecha os demónios que havia suado

dos silêncios sulfúricos enevoa a loucura pulsante de um abraço o esperma seco


Miguel Barroso

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