quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012
Nem uma palavra
Acabada de chegar ao cemitério, a velhinha contornou a campa do marido até ao lugar onde pousara o pequeno novelo desenrolado. Não trouxe flores nem velas. Por baixo do braço, como é costume, traz uma pequena cadeira de praia que arma com esforço para se sentar e respirar fundo. Mal recupera as forças, verga-se e pega a linha coberta de gotículas de orvalho.
Pega no fio como lhe pegou na mão durante os infindáveis anos de dor e de doença; com as duas mãos, sussurrando o seu nome. Encostando-o à face, aliviada, certa de que o fio enterrado ainda está atado às mãos do marido.
Contou-lhe da noite: de como sem ele na cama não consegue aquecer os pés. Relatou-lhe as notícias que memorizara à pressa no quiosque junto à paragem do autocarro. Falou-lhe dos filhos. Falou até não ter mais o que dizer. Depois, deixou-se ficar sentada, muito calada, com as mãos pousadas no colo a desfiar o que ele tinha para lhe dizer.
DuArte
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