quarta-feira, 18 de abril de 2012
A sombra do medo
Abriu os olhos e viu-as nitidamente. Sombras dançando na cadência de uma qualquer música inaudível. Fechou os olhos assustada. Se continuasse a vê-las teria de consultar um médico. Um oftalmologista, um neurologista ou, na pior das hipóteses, um psiquiatra. Adormeceu inquieta. Os dias passaram-se e continuava a vê-las, cada vez com mais frequência. Já não pensava no médico. Observava-as atenta. As sombras divertiam-se, sempre em folia. De vez em quando, parecia-lhe, ganhavam contornos mais nítidos. Vinham junto dela, acariciavam-lhe o rosto e percebia que lhe falavam. Habituou-se a elas. Eram várias e faziam-lhe agora companhia todo o dia. Homens e mulheres numa algazarra muda. Brindavam, bebiam e dançavam. E riam, riam muito.
Subitamente, deixou de ver as ver. Soube depois que tinha estado em coma durante vários dias. Sentiu-se feliz por rever pessoas de verdade. Mas sentia saudades das sombras. Lembrou-se da alegoria da caverna. Também para ela as sombras tinham sido a única realidade durante demasiado tempo, ou assim lhe parecia. Um dia voltou a vê-las. Era já velha, muito velha e estava muito doente. As sombras vieram junto de si, na sua eterna folia, e o seu coração moribundo encheu-se de alegria.
Missanga
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