sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A CAGADA DE BAIXO - BLOGONOVELA EM CINCO EPISÓDIOS (V)


A CAGADA DE BAIXO

V

Comi e bebi com os vizinhos. A franqueza e a partilha da comida é, ainda hoje, um dos pontos fortes das gentes da Beira Baixa. E assim se viviam as tardes. Bebíamos e ríamos cúmplices. Contávamos estórias, voávamos pelo tempo passado cientes do grão na asa. “Coma ao menos uma fatia de melão e beba um copo de vinho! Olhe que está fresquinho!”, insistia o Sousa. E rematava jocosamente, para me animar: “Olhe que este vinho é caseiro, é só sumo de uva; não só dá saúde, como ainda o faz esquecer as merdas todas”. Eu aceitava as ofertas com um sorriso e um bem-haja; a Cecília deitava-me os olhos como se quisesse também uma fatia; o garoto rosnava imitando o som de uma máquina de remover areias; o Esteves lambia-se, sorvia os restos, usava o palito hidráulico na remoção dos despojos, limpava a boca ao braço e abocanhava um naco de queijo, o sabão do estômago, como sempre gostava de frisar; depois, bebia mais um “penalti” e repetia o este ritual diariamente; o Cherreque cagava à sombra, apressado, voltava e dirigia um olhar esfaimado aos presentes, ávido de uma qualquer vitualha.

Foi uma alegre semana de férias, apesar de todas as merdas, o meu mundo viveu ali todo inteiro durante aqueles dias. Não me preocupei com nada, não vi notícias, não me liguei à internete, não fumei tabaco. Nada de especial me teria acontecido se não tivesse sentado em cima da merda do cão, o que não me agradou mas logo me passou a arrelia. O Cherreque lambeu-me os dedos dos pés, dirigiu-me um ar de súplica e ficámos amigos – quando me via abanava logo o rabo. E o Sousa subornou-me com um copo de tinto: “Tome lá um copinho, para que não diga que trato mal os comunistas!”.


Joshua Magellan

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