sábado, 17 de setembro de 2011

Crónica Benzodiazepina


Beleza emocional

O que nos faz ser belas? Aí está uma pergunta que se perde na nossa, minha, mania de competitividade. Espelho meu, espelho meu, quem será mais bela do que eu? Convenhamos, ninguém é a "última bolacha do pacote". O que não falta são bolachas e gente, no caso homens, que as queiram comer. E não é verdade que nós, mulheres, também encontramos mil sabores e formatos no mercado? A beleza é uma coisa estranha. Nunca, como hoje, o conceito foi tão difícil de definir. A simetria pode chatear. Um nariz torto pode excitar. Por outro lado, a beleza não é apanágio de uma meia dúzia de eleitos. Hoje está à mão de toda a gente. "Só é feio quem é pobre", ouvi no outro dia dizer. Há marquesas, cirugiões e laser para todas os gostos, para contas bancárias e plafonds medianos. Nem é preciso ser milionário. A democracia também chegou à beleza. Já não é exclusiva.
Então, o que distingue as belas das mais belas?
Ser mais bela está para lá do formato e do conteúdo. A inteligência não é factor decisivo... Outras não são inteligentes e são belas. E qual é o problema? A falta de inteligência também pode ser interessante. Porque pueril e inocente. Além disso, se estiverem caladas ninguém nota muito. E eu acho que fazem muito bem.
Ser a mais bela é ter um ingrediente especial. Ninguém sabe onde comprá-lo. É aquele segredo que os pais e a ordem geral do universo aplicaram na nossa concepção. Depois é connosco, na forma como jogamos a genética (nada a fazer), com os dados que a vida nos põe na mesa (tudo por fazer), e equilibramos o que somos com o que desejamos ser e, acima de tudo, com o que somos sem fazer esforço. É isso a beleza emocional em lugar da irritante "beleza interior". A beleza é uma questão de livre arbítrio. Depende da forma como decidimos viver o nosso corpo, e se lhe queremos dar alma. O corpo paga as nossas emoções mal digeridas e ganha em harmonia por cada etapa de crescimento feliz, assumindo as formas das nossas frustrações e das nossas alegrias.
Afinal, a beleza dá trabalho, porque não podemos fazer dela um trabalho. É isso que é a beleza natural (não tem nada a ver com andar de cara lavada e os cabelos brancos desgrenhados ao vento).
Se nos irritarmos com as nossas "asinhas do amor" (raios as partam) elas no dia seguinte duplicam-se a cair sobre o cinto das calças. Se embirrarmos com o cabelo ele revolta-se contra nós... Não lutemos contra o corpo. Temos de aceitá-lo e levá-lo com jeitinho, dando-lhe graxa, amando-o como é, para fazermos dele o que queremos que ele seja: tão bonito como a mais bela imagem que temos de nós.
Em criança, andava de avental na cabeça para fazer de conta que tinha longos cabelos a cair pelas costas e partia a alma dos sapatos da minha mãe, mais o seu espólio de colares. Isso fazia-me mais bonita? Não. Claro que não. Ainda hoje não faz. Por mais artigos da "Pedra Dura" que adquira e vestidos cai-cai, não é isso que faz a diferença. A moda e os penduricalhos só nos tornam mais competitivas.
O que nos faz mais belas, as mais belas, aliás, é o não termos vontade de o ser, é nem sequer pensarmos muito nisso. É não estruturarmos um conceito de beleza com palavras e pensamentos que vão das madeixas, às cores de batom ou ao formato de ancas. O ser ganha sempre sobre o parecer. Não tenhamos ilusões. Venham as Vogues e as idas ao cabeleireiro, sim senhora, mas se conspirarmos para ser belas, a beleza foge-nos violentamente como a areia do deserto em dia de tempestade. A nossa natureza precisa de sintonia, não de agressão.


Ana Santiago

Sem comentários: