sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A PALAVRA AOS NOSSOS CONVIDADOS (III)


ÀS NA MANGA

Demarcador enegrecendo os cílios, batom avermelhando os lábios, chave girando a tranca e as ruas são apresentadas a novos pares de sapatos
a postura provocante e atrevida desvia a atenção requerida pelo trânsito, o sorriso simpático na janela do “automotivo” completa parte do serviço, a porta sendo aberta é uma metáfora do próximo movimento
um dos muitos que fará sob o olhar atento dos espelhos no teto
a competência no exercício da profissão lhe daria o ouro olímpico se lençóis fossem juízes
nessa modalidade desportiva, no entanto, dinheiro vivo basta; e é por ele que encontra disposição para cada nova empreitada noturna, só por ele que junta forças para aceitar cada novo desafio masculino que se lhe apresenta
se o corpo estremece de prazer por algum momento, de certo não é graças aos esforços viris do amante durante o ato mas sim pela antecipação de ver futuras cifras preenchendo-lhe a conta bancária
como de costume, nomes descartáveis vêm, deixam fluídos corpóreos biodegradáveis, e vão, levando o odor peculiar do encontro íntimo como único traço residual
isso, por si só, já valeria uma noite em claro: o lucro advindo de uma transação sem compromisso
a consciência limpa, a sensação do dever cumprido...
os fins justificariam os meios caso não houvesse a hora odiosa, detestável, da prestação de contas
ocasião infeliz em que se vê face a reminiscências de uma vida pregressa... memórias do cárcere, em um pesadelo recorrente
seu corpo não lhe pertence, pertence a todos; todos quantos puderem pagar por merecê-lo
tem muito em comum com os animais selvagens, as feras indomadas, no livre curso de sua espontaneidade
e agora esse percalço, essa pedra no caminho...
algo precisa ser feito, que evoque uma lei
não a da civilização, esta não lhe cabe; tampouco as dos homens, que não lhe convém
a lei da selva... esta sim; a de quem tem jogo de cintura

jogo de cintura... seu maior trunfo


Rinaldo Leriano (Brasil)

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