sexta-feira, 30 de setembro de 2011


A dor dos guizos

Só lá pelas dez da manhã reparou que se lhe instalara uma dor não sabia bem onde. Era uma dor difusa, dissimulada. Como lhe podia doer algo se não sentia uma dor num sítio em especial – estranhou o senhor Santos. No entanto, ele sentia, pressentia, estava certo que lhe doía qualquer coisa. Era uma sensação desagradável, sentir uma dor permanente, sobretudo depois de se ter dado conta de que tinha aquela dor. Antes disso já a sentia, estava seguro de já a ter notado em duas ou três ocasiões. Mas agora ela voltava com outra intensidade, com outra permanência. Quase se conformava com a dor, mas fazia-lhe confusão não saber onde localizar essa dor. Se a tinha, queria saber onde ela estava. Logo que saísse do trabalho iria consultar um médico, ou no dia seguinte se desse o futebol na TV. A dor saíu do trabalho, a dor viu o futebol, a dor dormiu toda a noite e no dia seguinte pela manhã foi ao hospital. Exames e mais exames. Já não fazia assim tantos desde a universidade. Receitas para a farmácia, medicamentos para a dor que não tinha lugar. Estava muito melhor, mas a dor estava lá, ele sentia-a. Voltou ao médico na semana seguinte e o resultado do seu corpo examinado ficava-se pela confirmação da existência de uma dor. O relatório reiterava: “não nos foi possível detectar a sua localização exacta mas foi detectada a passar por vários locais do corpo". No exame da mente apenas surgia a sombra de um vulto, mas que poderia muito bem ser aquela dor. Duplicou-se-lhe a medicação, prescreveu-se-lhe descanso e comidas sãs. A dor atenuava-se a cada mezinha, a cada vitamina, mas não saía de lá, estava teimosamente entranhada como um tumor.
Viveu anos e anos amarrado à dor que não sabia de onde vinha, sobreviveu a todos os achaques e sequelas. Resistiu heroicamente a todas as provações, carregando a sua dor, a sua cruz quebrada de sofrimento em todos os momentos. Um dia atingiu o topo da idade laboral, reformou-se e ficou por casa a pensar na sua dor. Morreu pouco tempo depois, dizem que, de tanto pensar.


Joshua M.

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