quarta-feira, 6 de abril de 2011


Palavra amarrotada

Há uma palavra fugidia. Não a sinto. E, por tal, não a consigo escrever. Nem no papel, nem no ar, nem na agenda passional da qual apenas arranco páginas à bruta, de forma crua, amarrotando-as tanto quanto amarrotado me sinto. Há dias em que pauso, sento-me, pego suavemente na caneta e esboço-a. Mas a tinta, trôpega, começa a fervilhar e a caneta arde-me nos dedos. Em masoquismo sensorial forço-me a escrevê-la. Mas o bloco de papel, anti-magnético, desliza pela mesa fora como íman invertido, até tombar no chão. Insistente, pego num lápis de carvão e persisto, escravizado. E assim que a palavra começa a ganhar contornos mentais, ouço comboios a vapor ao meu redor, que o carvão do lápis alimenta, esgotando-se em segundos. Nem soletrá-la consigo. Seja por desdém, agonia ou descrença, a palavra teima em não ganhar forma. Aproximo-me dela o mais possível, em desalento, enquanto devoro avidamente uma romã.


Bruno Vilão

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