quarta-feira, 13 de abril de 2011


Um alívio

Conheceram-se nos fundos de uma livraria, onde se encontravam para trocar impressões sortidas. Uma tarde, depois de muito dissertar sobre autores e teorias e enredos e estórias e as línguas em que são escritos, ele fixou-se na capa de "On the Road", do Kerouac, numa edição dos anos 90, da Penguin, que detestava, e disse-lhe (confessou) que era só por causa das capas que mexia nos livros e os comprava e que nos últimos tempos já quase não os lia, ou lia às golfadas e cada vez se deixava disso mais cedo, quase ao inicio, porque o que gostava mesmo, o que queria, era poder admirar as capas. Que o deixassem em paz com as capas!
Foi então que chegou a vez dela e ela disse (confessou) que nunca tinha ouvido nada tão raro e bonito no que a livros dizia respeito. E pôs-se a pensar, sem lhe dizer, que um homem que amava assim, o que só conhecia pela metade (ou nem isso) e virava costas ao desconhecido e às orgias de letras e frases e pontos, só podia ser um homem direito. Também no sentido de avisado e sensato.
Ela disse que já eram horas de saírem dos fundos da livraria.
Aliviados.
Ambos.


Iolanda Bárria

Sem comentários: