sexta-feira, 22 de abril de 2011
Cândida como os anjos
Tinha apenas nove anos e o ar austero e anafado de um anjinho barroco. Era gorda, gordinha, medidas que lhe realçavam aquele aspecto angelical. Era antipática, tinha a face rosada, tinha os olhos fundos e frios e olhava tudo com ar de desprezo. Gelava-me com o fundo vivo dos seus olhos castanhos enterrados e perscrutadores. Era branca como cal pura, queimava a sua brancura. O nariz mesquinho parecia apontar em todos os sentidos, empinado, como se fera que farejasse a presa. Entrava e saía sem um "bom dia", sem um "adeus", sem um olhar doce, ou uma mão timidamente abanada em sinal de ida ou de chegada. Nunca me dirigiu a palavra, nem um trejeito sequer, sempre pedra sem eco, sempre mutismo sem língua viva. Passou-se um ano inteiro, fizemos exames na mesma carteira: era melhor aluno que ela e ajudei-a. Nesse dia, entre o nervoso da prova e o amarfanhado papelito que lhe passara sorrateiramente com algumas respostas, quase sorriu, quase um esgar de agradecimento, quase um esboço de palavra. Acabaram as aulas, estava terminada a quarta classe e feito o exame de "admissão", íamos agora para o Liceu. Fomos de férias, aquelas férias grandes que nunca mais acabavam. Nunca mais a voltei a ver.
Chamava-se Cândida.
E nunca compreendi porque gostei dela...
Joshua M.
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