sábado, 23 de abril de 2011

Crónica Benzodiazepina


Alucinómetro

Quando acordo e julgo que vejo o Willem Dafoe a andar de bicicleta na aldeia onde vivo e imagino freiras a dançar o "You’re the one that I want", tenho a certeza que o meu alucinómetro disparou. As luzes vermelhas piscam histéricas em sinal de alarme, o som ensurdecedor berra que nem uma criança a quem se tirou o pirolito e eu continuo indiferente como se tudo fizesse parte da anormalidade em que me vejo metida. A culpa só pode ser da crise e do governo. É tão fácil enfiar-lhes a culpa como se fossem um frasco de tampa hermética que eu vou fazê-lo sem pruridos. Não vejo outra hipótese, outra alternativa ou opção de escolha (se estão a ver aqui algum pleonasmo, isso significa que devem adquirir um alucinómetro como eu, porque as alucinações já estão aí). Adiante.
A culpa é deles e eu não tenho culpa que eles tenham as costas largas. Têm corpo para arcar com todas as responsabilidades como tiveram o desplante de se armar em senhores e reis de um reinado que não os soube mandar para o poleiro. Ouvi até dizer que eles pensam que têm o rei na barriga. Agora querem mandá-los para outro sítio, mas o galinheiro já está conspurcado até às orelhas que as galinhas não têm. Quem irá limpá-lo? Nós e sem alucinações. Estranhamente, está a apetecer-me agora algum prato de galo do campo aromatizado, regado com cerveja e natas. Mais uma alucinação, neste caso, do paladar. O meu alucinómetro está a entrar, inconsolavelmente, em desvario.
Questiono-me sobre a razão que me impele a atirar a culpa das minhas alucinações – que metem actores de Hollywood e freiras recatadas onde não devem estar – para a situação em que vive este país e os tais senhores que deviam estar regados, eles sim, com a cerveja e as natas. As respostas surgem-me de rompante, desgraçada e irremediavelmente em modo de tsunami, e eu sinto que quase preciso de um elefante branco para lhes barrar o caminho, não sei é porquê. Na verdade, sei pouco e, em matéria de porquês, só sei este: quando os euros que ganho desaparecem de seguida sem eu me dar a futilidades e devaneios supérfluos ou até necessários (falando de devaneios), a minha cabeça não pode senão imaginar uma realidade que não existe, tão-só porque se recusa a aceitar a real realidade (mais uma alucinação vossa) de que ando para aqui para pagar os caprichos de certos galos que só querem cantar em cima do poleiro.
Pois, no momento em que me deparar com o Willem Dafoe no seu Porsche (nem sei se o terá) ou assistir ao musical do Grease protagonizado por qualquer freira cá da terra, saberei de imediato que pago ao país o que lhe devo justamente e sei com rigor para onde vão parar os meus euros. Nessa altura, também, a minha consciência ecológica me ditará o reflexo, incontrolavelmente condicionado como os de Pavlov, de enviar o meu alucinómetro para reciclagem. Se não estiver completamente obsoleto, estará claramente gasto por excesso de uso.


Berenice Greco

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