sábado, 30 de abril de 2011

Crónica Benzodiazepina


Saber receber

Há países e cidades com uma enorme vocação para receber. E não é só por mero interesse, ou porque dispõem de estabilidade social e política. Vai muito das suas gentes, que se habituaram a ter e conviver com os de fora, com naturalidade. Nem sempre sem animosidade.
Receber os outros é uma enorme e inestimável qualidade mas, por razões diversas (entre as quais uma desconfiança e tacanhez também fruto dos condicionalismos geográficos), muitos povos não a desenvolveram. Nós. Nós, que andámos a cravar quinas em todos os cantos do mundo e a ser recebidos um pouco por todo o lado para fugir à pobreza extrema, ou às perseguições e à asfixia da ditadura, não estivemos à altura de receber os nossos, os da pátria, que fugiram de uma guerra, em 75. Recebemos, que remédio, mas com hostilidade e com inveja, até. Isso diz muito de nós.
Temos a casinha aberta é certo, mas se não vierem...
Quem recebe bem, recebe sempre da mesma maneira.
Nos últimos anos, temos feito um esforço para conviver com os de fora, estamos a aprender, mas isso não nos dá entrada no restrito círculo dos países e cidades que sabem receber. Na fila, a anos luz de nós ainda estão Amesterdão, Berlim, ou até Barcelona. Imagine-se!  
Na Europa, os países com mais longa e mais forte tradição de receber de braços abertos e em doses massivas são a França e a Inglaterra. Eu acho mais correcto dizer: Paris e Londres. 
Nova Iorque não fez mais do que imitar o que, noutros tempos, fizeram Paris e Londres. Duas cidades grandiosas, que durante décadas receberam, receberam e receberam (é injusto não nos lembrarmos disto agora, nos momentos menos bons).
Hoje, não se entra nestas cidades com a mesma facilidade. Há muros e arame farpado. Há expulsões. Há medo. Falta emprego. Há uma sangria de conflitos e tensões sociais acumuladas.
Nada mais vai ser igual.
Isto não faz delas cidades mais xenófobas do que Lisboa.

(Acho excessiva e até absurda a ideia do colapso do multiculturalismo, como defende Angela Merkel, mas acho corajoso levantar a questão e obrigar-nos a pensar nisso).


Iolanda Bárria

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