sexta-feira, 26 de agosto de 2011
Por um direito real de habitação periódica
Habitamo-nos em todas as ruas, em todos os amigos, em todas as palavras aventadas. Habitamo-nos no silêncio também e nas pausas em que não falamos para nos ouvirmos. Habitamo-nos na corrente do rio que nos leva ao mar, numa tarde soalheira em que a praia está cheia de veraneantes habitados por nós em sonhos. Habitamo-nos na nossa habitação, no lugar dos outros e no que não é nosso, no que não conhecemos e no que desconhecemos. A vida é construída, a vida é uma habitação que se faz de palácios e de moradias de renda económica, de barracas e de vãos de ponte onde um cartão velho nos espera o sono. A vida é o espaço e o tempo que habitamos, as janelas por onde olhamos para um passado que já não é nosso, para um futuro que ainda não sabemos ser nem quando vai ser. A habitação é essa vida a correr, essa lida; essa vida parada, essa vida que não nos diz nada. E habitamo-nos sucessivamente, reiteradamente: desde o berço em que vivemos na perspectiva de não nos deixarem morrer à fome, desde a urna em que não queremos morrer pelo esquecimento, desde o primeiro choro ao último lamento. Habitamo-nos sempre. Habitamo-nos aqui e ali, acolá e algures, em todos os lugares de nenhures. Habitamo-nos porque quando deixamos de nos habitar, o mundo deixa de existir. Somos casas sem fim num mundo à espera de ser demolido por falta da nossa existência. Habitamo-nos porque a habitação é nosso lugar-comum, entre aqueles com quem nada temos em comum. Habitamo-nos um e outro e aqueloutro, até chegarmos à conclusão que não somos nenhum deles e que não passamos de mais um. Habitamo-nos fantasmas e demónios, inconscientes de havermos vivido para lá do nosso vulto. Habitamo-nos heróis e deuses na esperança de que acreditem em nós e nos ofereçam honras e sacrifícios. Habitamo-nos só por nos habitar, queremos ser e procuramo-nos, somos e não existimos em nenhum lugar.
Joshua M.
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