quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Todos os actos de uma farsa
Sou uma fraude. Tudo em mim é falso. O eterno sorriso, a conversa fácil, a segurança, o belo marido. Tudo, menos esta dor de viver.
Nada, nem ninguém me toca o coração. Não consigo sentir alegria nem prazer. Apenas um aperto no coração que me tira o fôlego. Ah, mas sei fingir com perfeição. Faço o papel da esposa perfeita, da nora ideal, da amiga que todos gostariam de ter. Se eles soubessem, se eles olhassem para além da minha imagem, se olhassem bem dentro da minha alma, veriam a escuridão e o abismo, a ausência de sentimentos por quem quer que seja. Os dramas dos outros não me afectam, nem mesmo daqueles a quem supostamente eu amo. A morte, as desgraças alheias? Sou invulnerável a tudo isso. Apenas o que sinto me importa, me angustia. E o que sinto é por mim, por mais ninguém.
Às vezes penso que poderia ter sido uma belíssima actriz. Represento a minha vida feliz e pacata com todo o requinte. O turbilhão dentro de mim é invisível para os outros.
E tenho inveja, uma inveja doentia de todos aqueles que me parecem felizes, daqueles que têm riso fácil, a capacidade de achar graça a qualquer disparate, tenho inveja dos que se riem da sua própria desgraça. Tenho inveja dos que sofrem por amor ou por perda.
Fui a criança modelo, a menina bem comportada, a aluna brilhante, a adolescente bonita e ajuizada, a filha perfeita, a jovem adulta consciente. Nunca fiz nada que surpreendesse os outros pela negativa. Fui sempre tudo aquilo que esperavam que eu fosse. Nunca tomei uma atitude que não fosse adequada e esperada. Nunca desiludi ninguém, além de mim própria. Hoje sinto o meu coração cheio de raivas antigas, fúrias acumuladas, atitudes contidas, palavras engasgadas e não sei o que fazer com elas. Sinto que a qualquer momento a farsa vai, por fim, acabar.
Missanga
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