sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

PALAVRA EXPERIMENTAL (VII)


JULGAMENTO

O recinto transbordava
pessoas submergiam nas profundezas da superficialidade
petiscavam e bebericavam segundo é de costume

a fidelidade religiosa zodiacal, tema corrente nas rodas, não as prevenira
aquele tal pressentimento de algo incomum adormecera alcoolizado
tudo transcorria nos moldes da naturalidade

reticências
fecham-se as cortinas para o segundo ato 

persona non grata
nu como quem acabara de nascer
somente para os olhos da turba horrorizada, ao menos

aqueles olhos... viam mais do que lhes era dado a ver
penetravam os andrajos qual "ultrasonografia" moderna
detinham-se no peito parcialmente desnudo, ignorando o coração

"não passa de um cão sarnento!" - diziam entre si
"sujeito horrível!"
"sem classe!"
"de que sarjeta terá surgido?"
"crianças, fechem os olhos ou terão pesadelos em série pelo resto dos seus dias!"
"garçon, se quiser atendê-lo é por sua conta e risco!"

dava de ombros... acostumara-se ao tratamento desde há muito
o orgulho ferido havia aprendido a fechar um sem-número de cortes
açoite após açoite era quase que imediatamente cicatrizado

já não sangrava ante as ofensas
o sangue rubro transformava-se em translúcidas bolhas de sabão
apoucando e desaparecendo no ar
com a rapidez de algo que não intentara criar raízes

reflexo daquele cujo sangue nobre e injustiçado se perdia novamente na sarjeta

enveredava pela trilha dos humilhados
ao mesmo tempo em que brindes de alívio eram propostos em sua homenagem

comemoravam uma pré-concepção da realidade

concepção... quem teria cometido tal ato criminoso?
se teve um êxito na vida foi o de conseguir esquecer
fosse quem fosse a madre desnaturada que lhe dera à luz
dela herdara unicamente as trevas

tateava no escuro desde as primeiras passadas
e se ainda lhe restava alguma parcela de orgulho
era a de nunca ter olhado para trás
por uma mão de ajuda

entre um gole e outro de cachaça, eterna companheira
era acolhido pelos braços do torpor
enquanto aqueles olhares de repulsa e de acusação
iam perdendo o foco sob a enxurrada etílica

talvez sonhasse e quem sabe fosse visto por outros olhos


Rinaldo Leriano (Brasil)

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