quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A PALAVRA AOS NOSSOS CONVIDADOS (I)


O amor não muda de endereço

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo./ Porque os corpos se entendem, mas as almas não. (Manuel Bandeira)

A planta da sala desfaleceu. Restou o vaso florido, na terra ressequida, algumas folhas mortas. Eu não quero o vaso, queria a planta, o cuidado diário, as conversas em meio à solidão, enquanto você assistia à televisão, ou falava ao telefone, todas as formas de fuga para que nunca estivéssemos juntos, não ouso dizer o termo próximo, é demais para a sua superficialidade maldita. Quando estava feliz por uma nova conquista, mais trabalho, aumento do salário, uma comemoração na família, ela ficava também – tínhamos uma cumplicidade única – a aparência e o vigor eram vertidos de cores brilhantes, ela era florida alegria. Lembro-me do dia em que você viajou. Não senti falta de sua ausência. O espaço da casa era o mesmo, os objetos em seus devidos lugares, o silêncio ainda mais absoluto. Comprei vinho e assisti aos filmes que gostava, escutei as músicas de minha preferência, saboreei a solidão não imposta, com uma privacidade libertária. Nunca disse isso a você, mas sempre achei seu gosto por filmes equivocado, até mesmo tosco, imaturo, e aos poucos percebi que a música não estava distante disso; ambos ressoavam a um tipo de glamour decadente, quando não, de interação social frívola. Observei sua aproximação com vilões, como você gostava do discurso produzido por eles, quando se davam bem. Em dramas românticos, havia um brilho em seus olhos nos momentos mais sofridos e catárticos. Os dias se passavam e sentia que não havia mais distância, a medida se concretizara diante de sua presença, quilômetros de estrada do seu ser já me haviam feito perder qualquer sinal no horizonte. Mas a nossa plantinha, esta era cuidada com afeto, dela estava perto, ciente de seus caprichos, caprichada em satisfazê-los. Suas cores ficavam cada vez mais vividas - begônias a ornamentar nossa casa diante da indiferença dos seus olhos. Enamorei-me de nossa begônia, tão bela e listrada, sua forma a evocar pequenos corações ilustrados em natureza viva. Quanto mais distante e rude você se tornava, mais apreciava a delicadeza de nossa begônia, e detestava o vazio obscuro que se instalara em nossa casa. Pois, foi minha vez de viajar, o seu retorno não fez diferença, a planta estava intacta, na sua ida, estabelecemos um vínculo forte. Mas a minha viagem mudou tudo, morreu de sede a planta amada. Em ti não vejo nem a semente. Restou nada. Fique com o vaso, matéria inanimada.


Manuela Barreto (Brasil)

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