domingo, 1 de abril de 2012

SETE CONTOS DE VIDAS (VII)


HENRIQUE CIMENTO ILÍCITO

Eu cheiro-o daqui da varanda e todos o conhecem aqui no bairro. Vai novamente concorrer às autárquicas, o pulha... Fez fortuna em pouco menos de dez anos, o tempo em que o começámos a ver nas reuniões do partido. De dedos dados com vereadores, e bebericando a troca de envelopes com a corja mafiosa que o segue, lá reproduz umas frases demagógicas (e mal salivadas) enquanto inaugura um centro de dia para idosos A oferenda que o próprio diz hercúlea mas cumprida, silencia o barulho da cadeira de rodas que transportou seu pai para morrer só e esquecido num lar de bolorenta categoria. E o povo aplaude. Tem oito processos em tribunal, – "...mas é bom homem" –, diz uma pobre alma do café que um dia recebeu um frigorífico em troca de um voto. Está tudo em nome da família, para não o apanharem. Contas nas Ilhas Caimão rivalizam com os processos. Henrique corta a fita e bebe champanhe com o mindinho esticado, como que apontando ao Céu. Da minha varanda vejo o aquário muito bem. E só não vejo melhor porque ele me construiu um arranha-céus nas ventas, donde o filho alcoólico disparou num vizinho meu - não fosse o juiz parceiro de ténis do "amigo" Henrique - que acabou por falecer. O cardume move-se e o borbulhar das palmas mede os anos que ficará na Câmara a sugar-nos o fígado, o pulha...
Este homem que se conserva no gelo da falsa verticalidade debita cor, música e esperança no futuro. Alapa-se ao leme do poder enquanto vai fechando as pequenas tascas onde dele dizem mal. O séquito de piranhas clonadas da máquina exponencial do sistema vai corroendo as esquinas de forma a que melhor se veja e mais longe se alcance. E o povo aplaude.
Claro que vai ganhar. Curiosamente a sede da principal oposição ardeu de noite e um outrora inimigo doutro partido degusta agora da mesma lagosta nesta mesma inauguração.
Eu continuo na varanda. Não pertenço àquela peixeirada. Sou sal dum mar severo e barco Português de pescador leal.


Miguel Barroso

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