As palavras pela casa
“...su vida junto a los dioses y su
intimo impreciso en el fuego lento de la última palabra.”
Todas as suas palavras estavam pela
casa, diluíam-se no medo de serem ouvidas. Fugiam a esconder-se nos
cadernos fugindo do pavor de serem lidas. Ela tinha gavetas e gavetas cheias de
palavras, ela tinha cadernos e cadernos de apenas palavras, palavras muito
ordenadas, muito guardadas. Ela tinha cómodas com gavetas, cómodos
e cómodos de cheios de cómodas com gavetas. Todas elas com
palavras, com papéis cobertos de palavras, com tinta corada de
sentidos. Tudo eram palavras escondidas, mas nem sempre o tinham
sido. No acto da sua criação, todas elas foram palavras livres.
Todas em busca de se prenderem aos papeis para se libertarem nas
mentes em cores, perfumes, sensações, em imagens a todas as
dimensões.
Ela vivia agarrada pelas palavras a
vida das palavras, dormia com as palavras em sonhos espalhados por
todas as narrativas. Eram cadeias e cadeias de palavras presas a uma
mesma estória. Um enredo de palavras que se enredava na memória. Por
vezes, as palavras dormiam em tramas complicadas e acordavam em
almofadas de suspense. Eram palavras com ascendente, palavras que
trepavam até ao cérebro do leitor, palavras fortes que se
repercutiam até o subjugar. Eram ideias como elos encadeados numa
teia de palavras iguais a elas.
Nunca aquela mulher soltou uma palavra
que não fizesse correr tinta. E todos os papeis que dela se
aproximavam, não passavam sem passar por uma mácula de tinta
fresca. Tinta torrente de ideias, como cachos de uvas inchados de
promessas de vinho novo, um néctar de palavras sumarentas e
inebriantes. Nos momentos de musas, as suas palavras dançavam em
redor das ideias, poisavam sobre o papel em laivos de uma tintura
azul e desenhavam passos de dança em riscos transversais. Noutros,
dias calmos, ela escutava apenas o som das palavras, deixava-as vir
de mansinho embalar o seu sono nos braços da imaginação.
Despertava no limbo da fantasia, ao som dos chilreios das
andorinhas que a cumprimentavam, num bater de asas, arriscando um
cruzamento acrobático. Então, ela esquecia a ortografia as
palavras e acariciava-lhes a sonoridade, adulterando-as para as poder
decompor em notas de diversas tonalidades, recompondo-as por fim em
acordes suavemente matizados – apenas silêncio e ritmo.
Joshua Magellan
Sem comentários:
Enviar um comentário