Passadas
Suas mãos silenciadas abrigavam
jacintos perfumados, Jacinta sentia, a cada passo, a leveza de um
tempo perfeito, de estações, de uma flor que renasce em seu
esplendor, intocável e alvíssara. Mulher majestosa. O filho enredava
brincadeiras, noticiando os boatos da pólis, a ele não lhe passava
nada, nesse mundo cão, a impunidade anda de vento em popa e as
consequências são bastante tumultuosas. Cidades nascem aqui e
acolá, com muitos personagens alvejados. Você bem sabe, madre,
confunde-se até fala com prosopopeia, e metem-se os pés pelas
mãos. Naquele momento da minha vida, não queria me confessar, nem
mesmo fazer a primeira comunhão. Sim, sei que fiz tardiamente, mas
jamais me declarei uma ré confessa, não condiz com meu estado de
espírito, madre, soa falso, como levantar falso testemunho sobre mim
mesma, o mundo pesa nas costas, a alucinação, madre, desafia minha
mortal condição, sinto-me como atlas. Atlas existe, madre? Os
gregos acreditavam que sim, nós descendemos de romanos e cremos em
expiação, tem gente até de reza forte que vende sua mercadoria,
madre, paguei até minha dor de existir, a rezadeira disse que era
encosto, coisa ruim, moça, esse nome não lhe cai bem, tem de trocar
o nome, moça, atrai defunto, assombração, coisa morta, moça, tem
que tomar banho de folha, a reza vai ser "braba". Fiquei assustada,
madre, quem não se assustaria! Fiz tudo que a dona da reza mandou,
as coisas pioraram, meu corpo foi secando feito folha que se
desmancha quando pisam, não suportava uma galhofa, madre, fui
ficando sisuda e indigesta. Tomei gosto pela vida, madre, uma vida
distinta, distante de tudo; alheia ao mundo, alienei-me. Esse gosto
insípido é meu remédio para o nada, por onde passo deixo pegadas,
meu filho imaginário comunica minha caminhada e as palavras não
saciam minha fome alterada.
Manuela Barreto (Brasil)
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