Gastronomia molecular
Agora me lembro da boa da dona Fifi
que, ao levantar voo, perdeu a dentadura e só a encontrou no dia
seguinte, na cozinha, colada aos dentes de um bife-sola caseiro. A
festa do reencontro foi larga e demorada, um beijo em cada dentada; a
comezaina foi farta e prolongada, com a prótese dentária sentada à
mesa do rei. Num dos cantos da sala, jazia um copo redondo onde ainda
se podiam ver estilhaços de um bolo de um rei-presidencial meio
salivado no bordo da fronteira. O destroço teria sido cuspido na
altura do acidente por instinto fatal. Dizem as testemunhas que foi sem peso na
consciência, só para agredir um certo biltre traidor à mátria em fuga
para Leste. À dona do copo de água até lhe saltou uma mola de aço
inolvidável, quando sentiu do amargo da notícia. O valete de copas
ficou tão altruísta com a situação que, se tivesse ali uma
pistola, não hesitaria em doá-la aos amigos dos inimigos do alheio,
que a usariam para intimidar os assaltados por dúvidas. As armas têm
uma grande pontaria, na ponta são boas amantes porque resultam de
uma plasticidade razoável, segundo a filosofia de Sun Tzu. Por isso,
todos os amigos da sabedoria se sentem sábios, quando têm uma arma
na mão – é como que se vivessem num estado afectivo de
concubinato duradouro, pacífico e auto-infligido, numa relação com
um karma letal. Todos os amigos da ciência têm a palavra técnica
nos lábios roxos de provar o sabor da cisão do átomo e os efeitos
colaterais das bombas de hidrogénio.
Joshua Magellan
Sem comentários:
Enviar um comentário