quarta-feira, 24 de março de 2010


 Garganta Funda

Ontem meditei diferente. Fui para o jardim, e, ao som de uma batida minimalista, comecei a rodar em volta, como fazem as crianças quando querem ficar zonzas. Descalço, pés na relva, os braços estendidos um pouco abaixo dos ombros. A mão esquerda virada para cima, para o céu, para agradecer quem sou, a vida, a agradecer que existes, o amor que sinto por ti e por todos os outros. A outra mão virei-a para baixo, para devolver à terra tudo o que é falso: as angústias, os lamentos, as vontades e as expectativas, tudo o que me afasta de ser feliz. Deixei tudo para trás, as coisas boas e as coisas más - todas perdem sentido, quando deixam de ser relativas.
Rodei, rodei, rodei... Foram quarenta e cinco minutos a rodar.
Os olhos abertos e desfocados, a ver apenas um blur. A estranheza vai tomando conta da mente, a estranheza e o cansaço. É a inércia que faz o corpo mover-se. A mente quer divagar mas não tem como... Bate e rebate continuamente, nas paredes do tornado humano. Um vortex de energia.
De repente, já não rodo. Os braços estão estáticos, a pairar. É o universo que roda à minha volta. A consciência, cada vez mais centrada em mim, perdeu-se do mundo.
De olhos fechados deixei o peso fazer o resto. Caí exausto, umbigo em contacto com o chão, abraçado à terra. Foi um mergulho no fundo do poço sem fundo. Imaginem: sentir o corpo como se a consciência fosse a própria matéria. Tudo a fazer surf no sangue, os músculos doridos, a relva contra o rosto. Nunca me senti tão presente. Nunca senti os limites tão difusos. Em poucos minutos creio ter perdido a consciência.
Quando acordei... levantei-me e fui para casa.

 Duarte

1 comentário:

Ana Paula Pinto Lourenço disse...

parabéns!
Vou passar a visitar :)
Abraço
APPL