quinta-feira, 18 de março de 2010


Icarus

Icarus trepava como uma flecha cega pelos céus em direcção à luz doirada do sol. Inquieta, ela observava-o, muda, calada. Aninhava-se conformada numa mágoa que não a deixava tomar conta de si, a que não dava voz. Não faz mal – dizia-se a si própria – todos temos o direito a ser felizes.
Icarus fixava extasiado aquela fonte interminável de energia, de riqueza doirada. Trabalhara tanto naquelas asas. Tomara como modelo uma ave avermelhada, sua companheira até então. Estudara-a, ouvira seus conselhos, suas directrizes, aprendera. A hora da recompensa chegara. Voar, voar, voar. Não para um lado qualquer, não para um novo país, ou para outro planeta, mas rumo ao sol. Direito ao centro da galáxia, cujo reflexo lhe prometia a recompensa que julgava legítima. Foi com genuína surpresa, antes mesmo do terror se instalar, que viu as suas asas a derreter. Não compreendia. Quando a queda começou, percebeu atabalhoadamente a possibilidade do erro. Mas, o tempo de pensar havia acabado. Durante a vertigem, por um breve instante, animou-se. Uma luz brilhante jorrava doirada em sua direcção. Um truque da mente - pensou – afinal não estou a cair, apenas perdi a noção da direcção.
Exausta e de olhos postos no céu, Fénix lamentou a falta de sorte de Icarus. O
timing fora desastroso. Já não o podia salvar. A sua auto-combustão iniciara-se e, tal como o sol se põe e se eleva, brevemente renasceria para outra milenar empreitada.

Lucinda Gray

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