sexta-feira, 26 de março de 2010


A Menina que gostava da flor

A menina andava pelos campos, sempre de um lado para o outro, colhendo flores, piscando os olhos em todos os sentidos. Os rapazes que passavam por ela ficavam, ficavam a olhar, ficavam a ver a graça dela ao colher, ao baixar com ligeireza e descuido o corpo até à flor, ao piscar os olhos. Um dia a menina encontrou uma flor muito especial, um belo girassol, que a cativou imediatatamente. Ela caíu sob um raio de paixão ao ver um elegante e garboso girassol, com uma coroa de ouro. Ele, por sua vez, também se encantou com o jeito dela e com o seu grácil piscar de olhos. Seria um princípe ou um general concerteza, por ser ele a envergar a farda mais distinta, entre todos os outros - pensou ela. Agora também ela era uma verdadeira princesa, apaixonada por um princípe, que afinal não passava de uma pobre flor. A questão inquietou a comunidade inteira, reuniram urgentes os decanos que, depois de algumas horas de ponderação, sentenciaram ser de todo impossível aquele amor: geneticamente inexequível, legalmente inexistente e moralmente reprovável, foi o veredicto. A menina foi então obrigada a consultar a sabedoria de um curandeiro, que lhe diagnosticou glaucoma. Num ápice, reuniram uma equipa de cirurgiões, que operaram os olhos da menina de uma facada certeira. Ao despertar da modorra da anestesia, perguntou débil pelo seu amado girassol. Chorou por ele, dias e noites. Mas, depois de convalescer, decidiu fugir da cama do hospício onde a queriam prender. Andou por aqui e por ali, algures e sempre longe. Os rapazes deixaram de a ver, de reparar nela; ela, por sua vez, deixou de piscar os olhos e de colher flores. Sempre perdida de olhos postos no vazio, gastava a vida em busca do belo girassol amarelo dourado, correu os campos entre girassóis, mas sempre os mesmos vulgares amarelos, soldados sem general. Vagueou até à loucura do amor, perguntando a todos por ele. Todos lhe diziam nunca ter topado tal girassol nos campos da Provença. Alguém aventara mesmo a teoria de que, o sol do inverno provençal não queimava as flores até ao ouro, só no sul despontariam girassóis dourados, como os que a menina buscava incessante. Vagueou incerta e reiterada durante as noites frias e os dias quentes, acabrunhada e solitária pelos trilhos da procura, até que se acoitou em casa de um pintor meio louco. Do garboso girassol restava-lhe apenas a memória, os retratos do génio do pintor, em frente do quais ela passava o dia inteiro. E assim ficava, inerte o dia inteiro, diante da beleza do seu princípe girassol, comendo apenas o que o pintor lhe oferecia, num gesto com uma mão direita aos lábios. O pintor, que acabou por enlouquecer com ela, cortou uma orelha e deixou de pintar girassóis, apenas estendia os olhos fixos sobre os campos de trigo azuis até ao infinito.

Joshua M.

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