quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012


Nas nuvens 

Não acredito em almas gémeas, acredito em pessoas que nos levam ao limite.
A teoria da laranja que se separou em duas metades no início dos tempos, espremida não dá nada. E quem anda à procura da sua metade, perde o seu tempo.
 Creio numa outra estória, aquela que nos conta que numa outra era, sem telemóveis, nem facebooks, nem caneta para escrever, o mundo se fez de nuvens, e era só um céu.
E Deus - ou os deuses, ou os anjos, sei lá - meteu-nos em nuvens como gotas que juntas nunca cairiam e se mantinham unidas.
Nesse dia, Ele achou que a obra era boa e pensou cada nuvem como uma conjunção de gotas, cuja química teria mais tarde os seus frutos, quando fosse preciso as gotas cairem na terra e irrigá-la.
Um dia, quando o mundo não era só céu, e havia terra e lama, e árvores e cavernas, as gotas começaram a cair e separaram-se.
E fomos todos amantes, e filhos, e pais, e mães, e patrões, e empregados, e inimigos, polícias e ladrões, putas e santos. Cruzámo-nos com gotas de outras nuvens, copulámos e odiámo-nos, e com essas gotas nunca fomos felizes, porque essas gotas não nos faziam ir ao limite, foram apenas células que roçámos para o nosso crescimento.
Pelo meio dos tempos, felizmente, também nos cruzámos com as gotas da nossa nuvem. E foram essas que nos deixaram marca. São essas que trazemos connosco hoje e que vamos atraindo com a nossa energia.
Irritam-nos. Afagam-nos. Magoam-nos. Amam-nos. Desprezam-nos. Veneram-nos. Fazem-nos rir. Fazem-nos chorar. Não acredito em almas gémeas, acredito em pessoas que nos levam ao limite.
São essas que agora estamos a conhecer todos os dias. Deus achou que era boa ideia finalmente começarem a encontrar-se todas de novo. Ele lá sabe. Só que agora já não vivemos nas nuvens. O céu é cá em baixo e mora ao lado do inferno. Porque trazemos mágoas e culpas, desejos, crimes, angústias e vazios.
Amigos, amantes, namorados, patrões, colegas de trabalho, sem falar na família em que nascemos, todos os dias encontramos mais uma gota que nos aproxima da nossa nuvem. Como saber?
Irritam-nos. Afagam-nos. Magoam-nos. Amam-nos. Desprezam-nos. Veneram-nos. Fazem-nos rir. Fazem-nos chorar. Não acredito em almas gémeas, acredito em pessoas que nos levam ao limite.
A prova está no olhar e quando sentimos uma atracção imediata, fatal, que vem de dentro, como se todas as nossas células quisessem desde sempre encontrar-se com essa pessoa. Para que nos faça ser tudo o que devíamos ser desde sempre. São desafios, e às vezes até nos podem fazer passar vergonhas, fazer-nos sentir fracos, para no fim sermos maiores.
E acontece a toda a hora, nas situações mais improváveis e quando menos se espera.
As nuvens começam a formar-se novamente no céu.
Talvez, então, percebamos que não há duas almas gémeas. Há muitas almas gémeas, filhas da mesma nuvem. Algumas cumprem um destino romântico, outras um destino profissional, muitas já são famílias, muitas hão-de ser amigas. Na mesma nuvem cabem o amor, a amizade, o desespero, a esperança, as lágrimas, os risos e os disparates. Na mesma nuvem estamos em sintonia e ninguém se vai despegar até ao fim destes tempos. Deve haver uma razão.


Ana Santiago

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