sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012


No planeta do $upernúmero

Naquela sociedade ele era apenas um Numeral, pertencia à classe mais baixa, estava na base que sustentava toda a pirâmide social. Acima de dele estavam muitos milhões de Numerais e todos os Ordinais, ele existia simplesmente entre os Números, sujeito àquela hierarquia complicada. Antes de qualquer, ou, acima de todos, morava o Primo – o Primeiro – que era redundantemente secundado pelo Segundo e coadjuvado pelos Terceiro e Quarto e Quinto, e por todos os restantes até à Dúzia. Eram os “figurões da Dúzia”, designação dada pelos mais básicos aos membros do governo supremo do mundo digital. A partir daí até ao Ducentésimo, mais ou menos, eram todos realmente importantes, importantíssimos, autênticas eminências, algumas pardas. Nem todos eram conhecidos, apesar de serem eles que organizavam as nossas vidas, apenas fixávamos os rostos dos que nos falavam pela rede em que estamos internados. Do Ducentésimo, ao Duomilésimo vinha uma camada de gente igualmente relevante: secretários, assessores, conselheiros, administradores, gestores, et coetera – gente de segunda linha, mas que desfrutava igualmente de um sem número de privilégios. A partir do Decamilésimo, vinha uma casta mais modesta de Ordinais, mas que usufruía ainda de certos benefícios vedados ao comum dos Numerais. E assim sucessivamente, até às Centenas de Milhar, até aos Milhões, aos Biliões, até ao infinito e, por vezes, para lá do Oito deitado.
O mesmo se passava com os Numerais, quanto à estrutura hierárquica: o nosso Um era um indivíduo proeminente, o maior da sua linhagem, mas não passava de Um, um Numeral. Ainda que fosse o primigénio, um líder dos sindicatos, um aguerrido deputado do contra, ou um activo agitador, era um sempre um Numeral. É óbvio que ninguém queria ser um pobre Zero, um dígito indigente. Quando eram apanhados pela “polícia contabilística”, estes engavetavam-nos à direita de um número qualquer, inscreviam-nos na coluna das receitas ao lado direito de um Numeral solitário e desciam-no de categoria. Por isso havia cada menos Zeros sem-abrigo, a maior parte deles contribuíam como dígitos de valor para a economia nacional regular e paralela, e passaram a acompanhar com Numerais de vários dígitos. Foi uma grande vitória, a do Dez, quando conseguiu a integração social do primeiro Zero. Porém, foi também neste momento que começou a exploração desenfreada dos Zeros, isto é, a exploração do Número pelo Número. O mundo dos números conheceu uma grande expansão económica e foi a partir de então que os “Números primos” se tornaram vitais para construir pontes e fábricas e estradas e edifícios... Que o “Número de ouro” serviu aos arquitectos para achar a beleza das coisas, para encontrar a medida certa do universo e para traçar a medida do espaço ideal das nossas vidas. E que se distinguiram toda uma série de Numerais, em todos os espaços de actividade, matemática ou filosófica: ele são os místicos, os cabalísticos, os holísticos, os bíblicos, os dos graus etílicos.
Antes de se dar o colapso global dos Números, provocado pela vingança expansiva do neo-liberalismo económico, os Numerais haviam ganho uma nova expressão social, sobretudo desde que surgira o $upernúmero, (fruto de um caso fortuito entre um Numeral da despesa falhado e um magro Ordinal das receitas, num orçamento de $uperavit). Era o $upernúmero que influenciava decisivamente a troika executiva, era ele que na realidade governava todos os Numerais, que coordenava e dirigia os Ordinais proeminentes, mercê da sua posição no capital circulante, dos seus conhecimentos na banca e nos mercados financeiros.


Joshua Magellan

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