sábado, 2 de junho de 2012

Crónica Benzodiazepina


As estrelas do breu

A noite só cai, verdadeiramente, em lugares onde o excesso de iluminação ainda não chegou. Nos grandes centros urbanos nunca é, realmente, noite. A luz eléctrica ilumina ruas, estradas, lojas, fontes, pontes, discotecas, mendigos, bandidos, prostitutas e toda a sorte de, noctívagos. Só fora desses centros podemos contemplar a noite em todo o seu esplendor, a escuridão imensa que se abate sobre o mundo e que torna tudo ao nosso redor invisível. Há uns tempos passei uns dias em Santa Clara. Era inverno e a casa rústica onde fiquei situava-se ligeiramente fora dos extremos da localidade, na sua parte mais alta. Gostava imenso de, ao final da tarde e já noite cerrada, vestir um agasalho, sentar-me no pial e olhar para baixo, para a aldeia muito branca e sossegada. Estava iluminada e das chaminés das casas, tão tipicamente alentejanas, saía o fumo das lareiras que aqueciam o lar. Olhava em volta e a escuridão imensa surpreendia-me. Não se descortinava absolutamente nada para lá da aldeia. Era como se estivéssemos numa ilha no meio do vazio. Sobre nós um céu negríssimo pejado de estrelas. Uma escuridão tão absoluta atrai-me de um modo irresistível e, simultaneamente, desperta em mim sensações ancestrais: medo do escuro, medo do que ele possa ocultar. Não passa, contudo, duma sensação vaga praticamente encoberta pelo êxtase celeste, pelo silêncio quase perfeito. Conforta-me saber que ainda há lugares assim, onde posso, realmente, ver o céu e sentir o respirar da terra. E sentir-me parte deste todo.
 
 
Missanga

Sem comentários: