sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

PALAVRA EXPERIMENTAL (XV)


POEMA DE BOM DIA

bom dia.
bom dia mas poder trabalhar a ideia de um não poder estar
de memória num lugar escuso, apartados do uso de uma
diferença de dedos mentais, sentidos quebrados nos actos
das estrelas, desastre sobre uma mudança impessoal.
e digo bom dia. um bom dia sobre a linha feita da minha lógica,
o infinito material do mundo seguro e compreensível.
bom dia porque não tenho comparações e quem não as tem
não tem justificação para a liberdade de não ser livre.
e por isso bom dia. aos pássaros. à humanidade metafísica da
noite que sai de olhos cegos como as imagens cinematográficas
da adaptação de um livro de josé saramago.
bom dia à saudade de uma arte que consiste em fazer saudade.
uma saudade que envelhece como aqueles que regressam
apenas com a mente e a desusam na virgindade perdida de uma du-
pla existência, uma dupla alegria falhada na capacidade de espera.
bom dia à visibilidade do invisível. ao fmi. ao banco mundial.
à cimeira da nato. ao primeiro ministro, aos despedidos da
groundforce numa espécie de vigília em mangas de camisa, em
mangas de gestos e pânico nas faces que modernamente duvidam.
bom dia a um mark zuckerberg tenacíssimo a olhar para um
mundo azul e branco sobre uma inocência reprimida
pela desolação da vida fictícia, isolamento do próprio corpo
como uma leitura distante, um coração moral.
bom dia ao projecto humano de vulnerabilidade, instabilidade
do plano, do desejo, da livre associação de ideias. bom dia
às ideias de animalização da sexualidade por bento xvi,
de importanticidade das emoções e absurdo absoluto,
infra-absurdo, infra-inspiração, infra-exercício através da
propagação do nervo económico em hélice.
bom dia a fernando pessoa, a maiakovski, bertolt brecht, a
antónio ramos rosa, a jovens poetas de língua portuguesa como o
domingues ou o domeneck; que escrevam pelo instinto do
intervalo não lúcido da lentidão ocasional entre dois medos distintos,
entre a justificação da causa e o ideal da sobreposição.
bom dia às coisas análogas na diagonal do concreto heterogéneo,
na vontade vaga de falar o abstracto, o indefinido social
de uma seriedade superior. bom dia ao esquecimento
que lambe as feridas que o silêncio recolhe.



Sylvia Beirute

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