quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013


Voltar ali onde as ondas respiram 

They say that all poets must have an unrequiet love, as all lovers must have thoughf provoking fears 

Voltar ali, longa casa, janelas abertas à vastidão. Coros de búzios evocam risos. Rios que correm. Folhagens que se deslocam. Pó que se dissipa. A saia vermelha lançada ao vento. A sensualidade violenta de Zéfiro. As três Graças a marcar o ritmo. Dançam em roda. Junta-se-lhes Salomão com seus unguentos. Mirra, leite e mel. Ressoam vozes , cânticos, celebrações. A salvação dos náufragos que regressam agora, como filhos pródigos, os mais amados. Trazem nos lábios os licores doces de Penélope e o travo amargo das Gárgulas. No cabelo a coragem de Ulisses. No olhar, a ternura de Helena. Faz-se tarde, faz-se cada vez mais tarde. Persistentes, as bacantes entoam hinos anunciando alvoradas distantes. Águas mornas. Pássaros esvoaçam ébrios. Peixes em terra cumprem rituais ancestrais. Ao largo, uma maré adormecida. E as imagens vão-se projectando ante os seus olhos como se de um filme se tratasse.
Crescem torres colossais que chegam às nuvens. Torres que nas entranhas da maré radicam como cogumelos infernais. A saia vermelha lançada ao vento. Ondulante. A nudez. Uma escada lançada ao mar. As estrelas à distância das cerejas. Os tambores. Viagens reais e imaginárias. Criaturas híbridas e bestiais. Balsas que aflitivamente se afastam da orla. Vénus e Mercúrio entrelaçam-se. Orquestras desafinadas. A saia levantada. Carpideiras silvam entre-dentes. Os mais desejados regressam. É tarde, cada vez mais tarde. Giram as bacantes. Nos lagos flutuam esmeraldas, rubis e diamantes, sob o olhar atento de um abutre excomungado. Holofotes. Gente que passa nas ruas. Muita gente que passa nas ruas. Ressoam vozes. Voam saias vermelhas na imensidão dos oceanos. Mordiscam-se cerejas e estrelas à sombra de frondosos cogumelos. Feras indómitas apascentam rebanhos de ovelhas aladas. No perfil da montanha amontoa-se o casario despovoado. A maré continua adormecida. E as imagens vão-se projectando ante os seus olhos como se de um filme se tratasse.
Imagens reflectidas. Mel, leite e mirra. Cântaros de bálsamo. Folhagens deslizantes. Corpos nus em redenção. Alvoradas distantes. Celebrações. Janelas abertas à vastidão. Zéfiro, Ulisses e as bacantes. As Graças. Provocantes . Cinzas que se transmudam em campos de papoilas e violetas. Voltar ali onde os dias já não são breves. Onde os dias são longos, intermináveis. Voltar ali onde as ondas respiram. Voltar ali onde a Pitonisa penteia os longos cabelos da história. Uma saia vermelha lançada ao vento. Janelas abertas de vastidão, janelas abertas à vastidão. E as imagens, essas, vão-se projectando ante os seus olhos como se de um filme se tratasse.


Catarina Pina

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