sábado, 19 de maio de 2012

Crónica Benzodiazepina


 

QUANTO TEMPO MAIS?

Olho em volto e observo gente acorrentada às rotinas, aos afazeres, às obrigações, às vidinhas. Não os critico. Também já fui assim. Também já corri de manhã à noite, de um lado para o outro, saltitando entre diferentes lugares, para pura e simplesmente fazer dinheiro. Claro que me gastava, claro que me acinzentava porque, quando se corre apenas com esse objectivo, a vida começa a ficar sombria. Eu tinha dinheiro mas faltava-me o tempo. Tinha dinheiro que esbanjava nas maiores futilidades que se possam imaginar e assim, fui percebendo que não valia a pena trabalhar uma semana inteirinha a aturar pessoas sem me apetecer, para a seguir comprar umas sandálias Gucci ou Prada, ou simplesmente um anel, mais um anel, mais um, só mais um para acrescentar à minha lista interminável. Para quê? Felizmente, tenho o suficiente para viver. Não tenho mealheiros porque nunca gostei de mealheiros. Adoro parti-los e gastar. O dinheiro para mim é como o ar. É etéreo. Desaparece-me. Foge-me por entre os dedos e eu não dou por isso. E gosto desta sensação.
Hoje optei por ter mais tempo e menos dinheiro. Sobra-se em tempo o que me falta em euros. Mas não me arrependo das opções tomadas. Recusei alguns trabalhos que me iriam estupidificar e eu já alcancei um grau de consciência em que sei que não quero estupidificar-me. E o trabalho, de todas as actividades que eu conheço, é a mais estupidificante de todas, se excluirmos os afazeres domésticos. Por tudo isto, decidi seleccionar os meus trabalhos, optando por escolher apenas os que indubitavelmente me dão algum prazer. Espero não voltar a fazer fretes para ganhar dinheiro. Espero poder aproveitar o meu tempo ao sol ou à chuva, acompanhada de um bom livro, dos meus gatos, dos meus amigos... De que me vale ter dinheiro e não poder usufruir dele senão para as futilidades com que nós, mulheres, gostamos de nos prendar?
Quanto tempo mais é preciso para nós compreendermos que o estúpido que inventou o trabalho deveria ser chicoteado em praça pública? Quanto tempo mais para percebermos que nesta azáfama já não sobra tempo para amar. E a pior coisa que pode acontecer é ouvirmos alguém dizer: "Não, não tenho tempo para ele/ela!"


Carmo Miranda Machado

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