Terapia
Não era um dia dado a tolerâncias,
admito. Mas escusavam de abusar. «Então, bem disposto?», solta a
desatenta mas altruísta terapeuta carregadinha de vontade em ajudar,
enquanto entro com uma indisfarçável carga dramática sobre a face.
Com esta simples, simplista e simplória pergunta, as dúvidas sobre
a eficácia dos métodos da criatura instalaram-se. Mas fiz um
esforço:
- Olhe, enlevam-me ânsias que repudio. Estou como o Fernando Pessoa: "Uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço".
- Enlé, En... quê? O que acontece mesmo às ânsias?
- Olhe, enlevam-me ânsias que repudio. Estou como o Fernando Pessoa: "Uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço".
- Enlé, En... quê? O que acontece mesmo às ânsias?
E pronto. Foi o suficiente para me fazer crepitar o verniz da postura social. Garanto que ainda tentei encenar um “In with anger, out with love”, mas já não fui a tempo:
- Eu estou aqui a pagar-lhe por uma sessão de terapia. Se precisa de uma aula de português, tudo bem. Mas se eu tiver de lhe responder a essa pergunta, não me vai cobrar nada à saída.
Bruno Vilão
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