sexta-feira, 15 de junho de 2012


Um convite sem álibi 

É excitante! São dias torrentes, a contra gosto espero seu convite para jantar. Sim, sem minha vontade, porque fui criada numa tradição em que vocês, homens, convidam-nos para sair. Já pensei sim, já pensei em agir de outra forma, mas, acredite, seria considerada uma vagabunda, uma vadia. Não é dessa forma que vocês expressam tal atitude?! Sim, eu seria uma vadia insana, concordo com você por outra perspectiva. Eu gosto de vocês, há desejo, precisaria ensaiar um convite. Aconteceria da seguinte forma: chamaria, pela primeira vez, um rapaz por quem estivesse interessada para sair comigo, não importa o ambiente, sempre há o álibi – o convite é o álibi, antecede-o; para que não haja julgamento precipitado e a condenação não seja com base em pressupostos não comprováveis, levaria a um local público, óbvio, condizente com hábitos também não pré-julgáveis, ou seja, cinema, teatro, exposição, algum espetáculo, nada de bebidas. Pois bem, suponha que ele aceitasse o encontro, não sei quais seriam os próximos passos, enquanto vocês, homens, dão saltos, nós, mulheres, somos adeptas de rodeios, voltas, retornos, curvas, prolongamentos. Sim, de certa forma, fomos conduzidas a isso. Jantaríamos num restaurante modesto, seria descontraído e pouco intimista. Com todo esse percurso, ele chegaria à conclusão de que era uma saída de amigos, sem segundas intenções. Consigo me sobrepor à condição de mulher de tal forma articulada, e afirmar esta mesma condição em outra perspectiva, até então haverei superado meus pré-conceitos, de resto, espero que o homem aja.
Não fiz o convite. Sou jovem e ultrapassada. Fui criada assim, ou nasci na época errada. Gosto de andar contra a maré. As mulheres estão rápidas, um cartão de visita e economizariam tempo. Convidam para encontros efêmeros, aventuras dispersas. Às vezes, leio jornal, gosto muito da sessão de classificados. Enveredei por novos caminhos. No início, senti um incômodo necessário, depois, penetrei naquele universo de inclassificáveis. Mulheres que vendem o próprio corpo, homens que fazem o mesmo, publicam pequenos dizeres, ao gosto do freguês, alguns são mais românticos, outros, mais diretos, então, percebi gêneros em contextos, a similaridade entre eles. Corpos que se assemelham ou se invertem pelo discurso. Corpos simulados. O discurso é o corpo. Criei uma persona, invenção de mim mesma. Anunciava em jornais venda de casas – uma forma de lidar com uma solidão tão particular – com informações diversas, muitas vezes díspares, inventava modelos, arquiteturas, decorações. O gosto por isso cresceu de tal forma que tive nomes e sobrenomes de variadas nacionalidades. Passava horas ao telefone com o suposto locatário, contava sobre minha vida, meus filhos, meu marido, namorado, enteado, cunhado, sogra, sempre havia um empecilho para a concretização da visita e do aluguel, enquanto me tornava exímia em estender a conversa e em ouvir. Aos poucos, descobri aqueles corpos no palco da mídia, desvelei a realidade ignorada. Em um descuido coloquei o endereço certo, recebi uma visita, chamava-se Odete Rios. Tornámo-nos amigas, em meio a tantas ideias partilhadas, ela recitava seus poemas:

"Crês que o amor é teu oposto?
- enganas-te!
O verdadeiro amor sou eu, tua
[semelhante!]
Não vês uma sombra misteriosa
desenhada nos traços do meu rosto?
Não te atraem os meus olhos
como um ímã poderoso?
Não sentes os nervos vibrando
como cordas tangidas
por mãos invisíveis?
É meu pensamento atuando sobre ti!"

Aceitei seus posicionamentos amorosos. Eu e Odete éramos solitárias, em cada uma transbordavam pensamentos desalinhados do sistema, mudava a forma. Ela desejava as mulheres e as convidava para sair, transmitia sexualidade. Eu desejava o oposto e jamais efetuava convites. Eu me inventei locador, ela se fizera locatária, fora tudo uma brincadeira curiosa, uma performance perversa. Odete também construíra sua persona e fizera o convite. Não aceitei. Era dela o álibi.


Manuela Barreto (Brasil)

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