A uma certa Lolita
A fugaz eternidade dos nossos felizes
momentos
Julgámo-nos mal, julgámo-nos
incapazes de jogar. No entanto, jogámos. Jogámos ao ar palavras de
desprezo, em bocas de fel. Jogámos fora as intenções dos outros –
os planos que os outros tinham para nós eram outros para nós
mesmos. Atraíamo-nos como pólos opostos de cargas harmonizáveis.
Jogámos ao ar os dados de um jogo perigoso: ambos perdemos o orgulho para ganhar a sorte de cálidas noites plenas de ventura.
Foram noites de ácido e mel, noites de intensos silêncios sem
promessas. Pelo chão, como que deitados fora por uma vida sem
sentido, os nossos corpos encontravam tantos sentidos por despertar. Uma estrada branca em torrente nos
levava tão longe que temíamos não conseguir encontrar o caminho de
volta. Numa das mãos, segurava cautelosamente o meu fio de Ariadne;
com a outra, prendia a tua mão, percorria o teu corpo fundido por
toda a nudez.
Um rio corria contra as margens dos nossos viveres, separando-nos tão
juntos. Mergulhei na superfície fria do azul dos teus olhos quando
me negavas a profundidade do teu íntimo. Emergi até à apeneia, por
não poder respirar para lá do teu respirar. Apenas escuridão abaixo das palavras
caladas, apenas medo sem retorno. Beijámo-nos despedidamente para não nos voltarmos
a ver. Desfizemos os laços feitos pelas nossas mãos, fomos
afastando o olhar até perdermos a vista um do outro no culminar do
anonimato da multidão. Restaram em nós os breves e felizes momentos
das nossas vidas há muito separadas. Restaram as luzes acesas nessas
noites em que nos queimámos tão vivos. Ainda agora guardamos presas aos
nossos olhos as estrelas, que se desfazem em centelhas quando por
breves instantes nos voltamos a cruzar.
Joshua Magellan
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