sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A CAGADA DE BAIXO - BLOGONOVELA EM CINCO EPISÓDIOS (II)


A CAGADA DE BAIXO 

II

A filha do Sousa – a Cecília – mãe do Fábio e mulher do Esteves, era funcionária da Junta de Freguesia de Cagada de Cima, o senhor Passos devia uns favorzitos ao Sousa e lá se arrumou um empregozito de recepcionista na sede da Junta. Tinha dias de receber mais de vinte telefonemas e de atender uma dúzia de pessoas. Já para não falar da trabalheira que eram as eleições. Para entender aquilo tudo que lhe pediam era preciso ter um curso. Tirou vários. Ela aprendia bem, mas esquecia-se depressa. O próprio professor da escola primária lho dizia. Gostava de praia. A praia era o tempo de poder sacudir o mofo de si e dos seus pensamentos. Não o dizia à boca cheia, mas confessava-o às amigas: “o meu Esteves era tão jeitoso e depois ficou assim...”. Ela era casada, mas não era cega: não deixou de reparar naquele jovem másculo, de se fixar no volume aparente dos calções, de pensar que o rapaz devia ter um pénis bem avantajado; de mirar o vizinho da barraca que dormia descuidadamente com os tomates à mostra – gostava quando ele punha os óculos para ler o sol e um jornal espesso. Tinha um ar de sábio que lhe complicava com a libido; de mirar com deleite o grupo de jovens efebos que jogavam futebol e diziam caralhadas de cada vez que falhavam uma bola – ao pressentir aquelas doses de testosterona sentia um arrepio –, vê-los suados e a soltar palavrões, acentuava a virilidade que lhe atacava as defesas. Em suma, a sua praia era esta, ali estava na sua praia.

Do Tó Esteves, canalizador, homem de biscates, sempre “ao gancho” e ao que possa deitar a mão – pouco se pode dizer. Bebamos um copo com ele, por ele. É disso que ele gosta, de um bom copo num qualquer bar de praia com vista para a mulher e para o garoto. Não é de piropos nem de falsidades, à mulher só mente em matéria de litros bebidos. Vai deitando o olho às "gajas", mas sem apetites que não sejam o de mais um copinho. Com a crise, voltou ao “palhinhas”, agora de plástico branco, símbolo indelével da diáspora portuguesa na ida para além-pirinéus em busca de um vinho melhor na vida. Gosta de praia, gosta do que mulher o ensina a gostar, para além dos velhos prazeres aprendidos na aldeia. Na praia não falta quem goste de um bom tintol e de um disputado jogo de “Sueca”. É da Pampilhosa da Serra: nasceu em berço de sequeiro no cimo de uma lapa, nunca se deu com os ares do mar.


Joshua Magellan

Sem comentários: