A CAGADA DE BAIXO
V
Comi e bebi com os vizinhos. A
franqueza e a partilha da comida é, ainda hoje, um dos pontos fortes
das gentes da Beira Baixa. E assim se viviam as tardes. Bebíamos e
ríamos cúmplices. Contávamos estórias, voávamos pelo tempo
passado cientes do grão na asa. “Coma ao menos uma fatia de melão
e beba um copo de vinho! Olhe que está fresquinho!”, insistia o
Sousa. E rematava jocosamente, para me animar: “Olhe que este vinho
é caseiro, é só sumo de uva; não só dá saúde, como ainda o faz
esquecer as merdas todas”. Eu aceitava as ofertas com um sorriso e
um bem-haja; a Cecília deitava-me os olhos como se quisesse também
uma fatia; o garoto rosnava imitando o som de uma máquina de remover
areias; o Esteves lambia-se, sorvia os restos, usava o palito
hidráulico na remoção dos despojos, limpava a boca ao braço
e abocanhava um naco de queijo, o
sabão do estômago, como sempre gostava de frisar; depois, bebia mais um “penalti” e repetia o este ritual diariamente; o Cherreque
cagava à sombra, apressado, voltava e dirigia um olhar esfaimado aos presentes, ávido de uma qualquer vitualha.
Foi uma alegre semana de férias, apesar de todas as merdas, o meu mundo viveu ali todo inteiro durante aqueles dias. Não me preocupei com nada, não vi notícias, não me liguei à internete, não fumei tabaco. Nada de especial me teria acontecido se não tivesse sentado em cima da merda do cão, o que não me agradou mas logo me passou a arrelia. O Cherreque lambeu-me os dedos dos pés, dirigiu-me um ar de súplica e ficámos amigos – quando me via abanava logo o rabo. E o Sousa subornou-me com um copo de tinto: “Tome lá um copinho, para que não diga que trato mal os comunistas!”.
Foi uma alegre semana de férias, apesar de todas as merdas, o meu mundo viveu ali todo inteiro durante aqueles dias. Não me preocupei com nada, não vi notícias, não me liguei à internete, não fumei tabaco. Nada de especial me teria acontecido se não tivesse sentado em cima da merda do cão, o que não me agradou mas logo me passou a arrelia. O Cherreque lambeu-me os dedos dos pés, dirigiu-me um ar de súplica e ficámos amigos – quando me via abanava logo o rabo. E o Sousa subornou-me com um copo de tinto: “Tome lá um copinho, para que não diga que trato mal os comunistas!”.
Joshua Magellan
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