sexta-feira, 19 de outubro de 2012


Uníssono

Ele era baixo e troncudo,corpo curvado, não por traumas físicos, mas pelo peso da consciência.

Cabisbaixo, andava com uma maleta colada de adesivos pop-arts, vestia-se de preto, sempre as mesmas roupas, das quais retirava a etiqueta – estas sempre espalhafatosas, como plumas e casacos de pele que se usa na ida ao melhor evento de uma cidade de capital interior. Em momentos introspectivos, acendia o cigarro e observava os desenhos formados pela fumaça. Tão novo, semelhava a um senhor, de ordens gritantes para a sociedade inóspita perante seres melancólicos, quando não pensantes. O som dos carros era-lhe constrangedor, as buzinas lembravam a copa da África, xipalapala, ou o caos que habita cada cidade. Haviam dito que tais jogadores já nasceram fracassados, o que não desdiz o fato de que alguns jogadores despertam tarde.

Pois bem, João, com sua fiel pasta, saiu para um almoço no boteco de seu Jorge, costume sedimentado. Sentou qual o pacato cidadão para beber sua cerveja, acompanhada com um copinho de cachaça e tratou de iniciar a conversa. Todos do boteco conheciam seus dizeres.

Na pasta, levava muitos livros de Manuel de Barros e uma gaita para recitar alguns versos reinventados. Sua voz era suave, semelhava a certa rouquidão nostálgica, seria uma simbiose entre sujeito e objeto musical. Não incomodava, ao tempo que a cachaça entranhava os poros, o falar multiplicava-se de piadas a críticas à maquina social, que ali mesmo o dissolvia. Os companheiros esperavam a hora epifânica, afinal, conversa de boteco só muda de endereço, o que diferencia é a presença de alguns sujeitos.

Nessa hora, João, conhecido como João de Barros, anseia por uma inspiração, uma musa difusa em seus pensamentos, concretizada por alguma transeunte que lhe abra o apetite poético. A mitologia lhe é distante e fluida, recita e sente feito cobra a se movimenta ao som da flauta.

Musas se materializam em botecos, o tímido João de Barros corteja-as através da literatura, do movimento das notas intercaladas entre sopros e versos. Perde a timidez, mas não o existir nostálgico, salpicado de pitadas singelas de humor e gentileza. Não se semelha a um sujeito belo e charmoso que encanta, qual galã de filmes europeus da década de 50, entretanto, sua elegância perpassa os olhos da musa do boteco e a mestria com que efetua o seu labor literário. Os versos tomam a forma de um corpo de mulher a se movimentar por entre acordes da gaita, a moça dança com a leveza de uma gaivota e perfuma o ambiente prenhe de harmonia.

Momento em que os transeuntes curiosos postam-se na entrada para assistir ao espetáculo poético, corpo e alma de signos em simbiose, a mulher que dança, o homem que toca, o poema que vive. Todos respiram o artis ar.


Manuela Barreto (Brasil)

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