Uníssono
Ele era baixo e troncudo,corpo curvado,
não por traumas físicos, mas pelo peso da consciência.
Cabisbaixo, andava com uma maleta
colada de adesivos pop-arts, vestia-se de preto, sempre as mesmas
roupas, das quais retirava a etiqueta – estas sempre
espalhafatosas, como plumas e casacos de pele que se usa na ida ao
melhor evento de uma cidade de capital interior. Em momentos introspectivos, acendia o cigarro e observava os desenhos formados
pela fumaça. Tão novo, semelhava a um senhor, de ordens gritantes
para a sociedade inóspita perante seres melancólicos, quando não
pensantes. O som dos carros era-lhe constrangedor, as buzinas
lembravam a copa da África, xipalapala, ou o caos que habita cada
cidade. Haviam dito que tais jogadores já nasceram fracassados, o
que não desdiz o fato de que alguns jogadores despertam tarde.
Pois bem, João, com sua fiel pasta,
saiu para um almoço no boteco de seu Jorge, costume sedimentado.
Sentou qual o pacato cidadão para beber sua cerveja, acompanhada com
um copinho de cachaça e tratou de iniciar a conversa. Todos do
boteco conheciam seus dizeres.
Na pasta, levava muitos livros de
Manuel de Barros e uma gaita para recitar alguns versos reinventados.
Sua voz era suave, semelhava a certa rouquidão nostálgica, seria
uma simbiose entre sujeito e objeto musical. Não incomodava, ao
tempo que a cachaça entranhava os poros, o falar multiplicava-se de
piadas a críticas à maquina social, que ali mesmo o dissolvia. Os
companheiros esperavam a hora epifânica, afinal, conversa de boteco
só muda de endereço, o que diferencia é a presença de alguns
sujeitos.
Nessa hora, João, conhecido como João
de Barros, anseia por uma inspiração, uma musa difusa em seus
pensamentos, concretizada por alguma transeunte que lhe abra o
apetite poético. A mitologia lhe é distante e fluida, recita e
sente feito cobra a se movimenta ao som da flauta.
Musas se materializam em botecos, o
tímido João de Barros corteja-as através da literatura, do
movimento das notas intercaladas entre sopros e versos. Perde a
timidez, mas não o existir nostálgico, salpicado de pitadas
singelas de humor e gentileza. Não se semelha a um sujeito belo e
charmoso que encanta, qual galã de filmes europeus da década de 50,
entretanto, sua elegância perpassa os olhos da musa do boteco e a mestria com que efetua o seu labor literário. Os versos tomam a
forma de um corpo de mulher a se movimentar por entre acordes da
gaita, a moça dança com a leveza de uma gaivota e perfuma o
ambiente prenhe de harmonia.
Momento em que os transeuntes curiosos
postam-se na entrada para assistir ao espetáculo poético, corpo e
alma de signos em simbiose, a mulher que dança, o homem que toca, o
poema que vive. Todos respiram o artis ar.
Manuela Barreto (Brasil)
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