sexta-feira, 26 de outubro de 2012

PALAVRA EXPERIMENTAL (I)


não sejas criança! correr para quê, se podes perceber?

desatar a correr pelo poema fora sem tentar perceber onde começa e onde termina cada estrofe ou qual é a hora de terminar o que não tem meio nem conteúdo ou final feliz em que as vizinhas choram no fim do casamento agarradas ao avental de trazer por casa de passe “éle-xis cento e vinte e três” que serve para a carris e para todas as carruagens da "cê-pê" se não houver metropolitano serve também para o doutor de toga e cambão e para o matemático aplicado e para o aldrabão encartado ou mesmo para um retornado ou um senhor enigmático ou um imigrante ilegal (vindo das índias ou das áfricas) negro ou mulato ou chinês ou jogador de futebol ou um qualquer artista francês ou uma troika instalada de urinol com exibições horárias quotidianas no parque eduardo sétimo o inglês à espera da visita da catherine de novo que está agora no estrangeiro a negociar submersíveis e só volta para mamar à conta do contribuinte trabalhador que não passa de um sem nada desregrado com mulher de esquina e prole de ranhosos que se mata a trabalhar para comprar um "tê-zero" com uma letra de câmbio sacada ao banco de sangue frio no cemitério dos prazeres onde morre acanhado por não se poder esticar senão mete os pés na tumba do vizinho ou as visitas do dia de finados passam por uma vida de morte a pisar-lhe as extremidades das ossadas tibio-társicas quando vão levar flores aos infiéis defuntos que se reúnem à noite em amena cavaqueira em redor de um fogo fátuo onde assam chouriços caseiros e bebem vinho e cantam músicas do padre borga e põem a mão na mão do senhor e na mão uns dos outros e noutros sítios assinalados como proibidos pelos desígnios do tal senhor segundo o qual só devem ser usados depois de comer uma maçã pecaminosa e de a serpente ter fornecido os respectivos preservativos e toalhas com que se protegerem e limparem de pecados menos originais e assim poderem chegar à altura do céu quando este desce à cota de terreno mais baixa para ficar na horizontal de estar com ganas de fazer amor com estrelas decadentes toda a noite a ver nascer a lua e o sol e a fazer um poema que termina com o amor feito ad hoc no clímax quando este andava perdido num mar de rimas e de estrofes sem saber como e para onde redigir sem parar até ao fim do fundo de um mundo intestino lá no limiar da realidade virtual em que se avista a linha da meta-poesia onde finalmente se solta uma criança radioactiva dentro de nós e só nos apetece desatar a correr pela humidade do poema afora sem tentar perceber...


Joshua Magellan

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