sábado, 3 de abril de 2010


Impressões de uma fuga adiada

Nevoeiro. Praia de Espinho ao lado. Comboio. O areal salpicado de arbustos e não ervas daninhas onde a fertilidade se esvai. Praia. Nevoeiro e maresia. Posso correr? Ali parece respirar-se melhor. Posso nadar? Ali parece que se sente menos. Posso ficar?
Ainda carris e carris a perder de vista, esta força que me puxa segue frenética e não sei mais de onde vem. E de onde venho? Para onde vou? Lá fora tudo tão inerte, uma espécie de selvática natureza virgem, uma espécie de nova cidade a descobrir, um novo mundo.
Pergunto-me se poderei talvez hoje ficar. Parar. Às vezes penso como seria parar o tempo... Congelar um início de acção, o papel que cai fica suspenso, a boca escaqueirada da senhora ao lado, o acidente quase a ocorrer, e eu movendo-me entre a alheia imobilidade tão frágil. Nos filmes esta imagem tem sempre uma certa névoa associada que não entendo, mas parece-me bem o dramatismo. Aqui a neblina é natural,nem preciso de artifícios sofisticados para alargar a imaginação. A imaginação respira maresia, emerge dela, é o tempo parado da praia estática.
A rota traçada quase me leva daqui, e cravo os dedos à imagem da praia de onde não quero sair, cravo os dedos ao tempo nulo que quero que fique, cravo os dedos cerrando os olhos, no meu sonho posso estar onde quiser, no meu sonho posso ser o que quiser, no meu sonho não tenho mais por que fugir.

Virginia Machado

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