quarta-feira, 16 de maio de 2012


Terapia

Não era um dia dado a tolerâncias, admito. Mas escusavam de abusar. «Então, bem disposto?», solta a desatenta mas altruísta terapeuta carregadinha de vontade em ajudar, enquanto entro com uma indisfarçável carga dramática sobre a face. Com esta simples, simplista e simplória pergunta, as dúvidas sobre a eficácia dos métodos da criatura instalaram-se. Mas fiz um esforço:

- Olhe, enlevam-me ânsias que repudio. Estou como o Fernando Pessoa: "Uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço".

- Enlé, En... quê? O que acontece mesmo às ânsias?

E pronto. Foi o suficiente para me fazer crepitar o verniz da postura social. Garanto que ainda tentei encenar um “In with anger, out with love”, mas já não fui a tempo:

- Eu estou aqui a pagar-lhe por uma sessão de terapia. Se precisa de uma aula de português, tudo bem. Mas se eu tiver de lhe responder a essa pergunta, não me vai cobrar nada à saída.


Bruno Vilão

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