sábado, 17 de dezembro de 2011
Crónica Benzodiazepina
CARTA A UMA AMIGA
Querida amiga
Retomo o que me escreveste exactamente há um ano atrás. Se já naquela altura tinha uma vontade exagerada de desaparecer nesta época, este ano esta sensação agudizou-se ainda mais.
Não suporto mais as luzinhas piscantes espalhadas pela cidade, os papéis de embrulho e as fitas reluzentes de cores impensáveis, os pais natais a trepar pelas paredes dos prédios, sim, esses mesmos, de perninha levantada a querer saltar para as varandas, o plástico das árvores de Natal e desta sociedade toda à minha volta. É verdade, querida amiga. Por mim, adormecia hoje e acordava aí para dia 2 ou 3 de Janeiro, quando a estupidez tivesse já passado. Parece, porém, que não vou conseguir dormir por tanto tempo, ainda mais quando sofro insónias gritantes que me fazem sentir um perfeito zombie durante o dia inteiro.
Se me perguntares o porquê desta angústia, respondo-te que me sinto deslocada, desintegrada, desinserida... como um extraterrestre que chega à terra e se confonta com seres estranhos numa azáfama furiosa e consumista rumo ao nada... sim, que de nada é feito o Natal. Família? Que família? A que me ignora o ano inteiro? Natais da minha infância? Qual infância? Aquela de que mal me lembro porque demasiado marcante? Amor e outras mentiras?
Sei que te vou parecer demasiado amarga hoje à noite quando me leres. Mas não te preocupes comigo, minha amiga. Limito-me a expressar-te a perplexidade com que observo o mundo à minha volta e, mais ainda, a constatação do que observo dentro de mim. E apesar de tudo isto, vou estar, mais uma vez, a pactuar com esta merda toda quando, dia 24 à noite, for obrigada a fazer teatro e a mostrar-me feliz porque rodeada da família, a mesma que me tem atormentado sempre.
Sei que me compreendes.
Carmo Miranda Machado
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