sábado, 7 de agosto de 2010

Crónica Benzodiazepina



O medo e outros costumes

Estou a dar-me mal com o dualismo. Cada vez pior. Quero ser uno contigo, com ela, com toda a gente. Cada vez faz mais sentido. Começa a ser a única coisa que faz sentido. O problema é que enquanto existirem mulheres como tu, e ela, e outras igualmente celestiais, a minha mente sente-se ancorada ao desejo. Para existir o vosso corpo, também o meu corpo tem de existir. A minha percepção.
Vivo entre a necessidade de dois mundos. Acabo por viver em nenhum. Sei que qualquer repressão fará a balança pender para o lado que contrario. É quase como a história do bicho que pega quer corras ou fiques parada. Eu sei que não posso estar próximo dela nem de ti, muito menos das duas em simultâneo. Enquanto for eu, não posso. E se eu e ela e a mulher dourada formos um só? Mesmo que para isso tenha que ser uno com gente que transpire demasiado - prefiro. Não são quarenta virgens, mas não deixam de ser muitas mulheres. Portanto assumo-me como um não dualista convicto. Vou vestir um casaco de couro e partir em busca da fórmula. Só peço que se mantenham lindas até que encontre uma solução para unificar tudo.
"- Já Freud dizia: o desejo é aquilo que nos une a todos. O desejo é a mais elementar força."
Concordo plenamente. O desejo foi a força que criou o universo - o desejo de termos uma coisa só nossa. O desejo é sinónimo de movimento e de inconstância. Implicou que se criassem o tempo e o espaço. A permanência é oposta e dispensa o espaço, a eternidade é oposta e dispensa o tempo. Apenas neste universo inventado pelo homem faz sentido o desejo. O desejo é como o medo a mentira e a escuridão. A escuridão é falta de luz. Não tem propriedades exclusivas em si mesma. Sempre que observo o desejo ele desaparece. Tal como o medo quando visto de frente. São exemplos da crença na escassez, da qual só o erro pode proceder. O desejo e o medo dependem da nossa ausência. Tal como o amor particular. Se te sentares de olhos fechados e procurares o amor, ele não está em lado nenhum. É como se entrasses num quarto escuro de vela na mão para observar a escuridão. A luz é como a verdade. Quando deixas de observar o amor, ele volta em pensamentos, ocupando o espaço que deixaste vazio na tua atenção. A escuridão volta sempre que a luz se vai. A escuridão é como a mentira. Só existe na ausência de verdade. Não existe verdadeira mentira. É um paradoxo total. A luz tal como a verdade opõem-se à escuridão porque se validam a si próprias. Não se alimentam da dúvida nem da escassez do oposto. A verdade é sempre abundante, ilumina tudo. A verdade não vacila. Todos os medos e receios derivam da ilusão e da importância que concedemos à dúvida. O amor particular é igual. Quando o procuras por dentro, ele desaparece. Quando te afastas, ele volta em pensamentos. Está tudo tão carregado da nossa mente, essa cortina que nos separa de tudo, que se torna impossível viver para além dela. Os objectos, as pessoas, as sensações, são todos relativos à nossa mente. Esta constatação deixa-me os nervos em frangalhos. Quero livrar-me desse filtro. Estou farto de versões.
"- Mas a percepção que tens dos outros é sempre filtrada por ti. Pelas tuas sensações."
Mesmo as sensações que uso para percepcionar os outros são filtradas por mim. É tudo tão filtrado que começo a achar que sou eu que as crio. Não há nada que possa ser experimentado que não tenha de passar pela recepção. Quem me diz que não adulteram os factos na recepção? Eu gostava mesmo era de estar contigo. Não quero saber da versão que faço de ti. Mesmo que te pinte como uma deusa nórdica, não és tu. Nunca serás quem eu vejo, quem eu cheiro, quem eu toco. Desunho-me todo mas não consigo chegar perto de ti. Pois não.
Mas se formos todos o mesmo e isto não passar de um sonho de separação, bastaria acordar para sermos felizes, eternamente juntos.
Sempre que é falso, é escuro. O inverso tem respondido a todas as minhas dúvidas - sempre que é escuro, é falso.


DuArte

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