sexta-feira, 20 de agosto de 2010


In Itinere

A flor que és, não a que dás, eu quero.
Porque me negas o que não te peço?

Ricardo Reis, in Revista Athena, n.º 1 (1924)

Contei todas as estradas até chegar a ti e não tinha perdido um minuto para pensar, para te escutar quando emudecias os gritos, para te soltar a força do que querias ser não sendo – e contado e visto tudo, nada aconteceu que não houvesse previsto. Sempre me quiseste casa sem rua, calcando as pedras sem casas em que não consentias, erigiste muros através do que sou para conter o que quero ser. A voz abafada de quem sobe a montanha para se calar lá no alto, nunca volta sem uma palavra arfada no desconsolo da jornada, como um lamento em apitado contratempo, que se evola pelo ar límpido até ao tecto do vazio.

Somos nós que acendemos fogueiras intermitentes no caminho, que aquecemos os pés batidos contra as estradas mais venais; somos nós que dejectamos as palavras cruas contra os lábios desencontrados, e que nunca nos buscamos; somos nós que já vimos o astro subir despertador e o topámos ao deitar-se poente, cruzando o céu do nosso quarto crescente; somos nós que nos cortamos nos gumes que afiamos contra as pedras que temos de vencer; somos nós e nunca somos, quando fingimos ser o outro que parece ser parecido connosco, e afinal só deixamos de o ser porque o tempo perdido nos atalha e tolhe o tempo devir.

Parti para dentro de ti e fui e vim tão depressa que mal te senti, mas ficaram as presas do teu ser presas nas teias da minha vida, o teu odor penetrante nas sombras que me guiam as mãos, que ficam, no fundo de gestos melífluos, opacas. Custa-me recordar os factos pelo meio do tempo que já perdemos de vez – e é tão nítido o teu ténue voar sobre o meu corpo transverso; é tão sonante o teu querer estar por onde a utopia dos homens tem lugar; é tão belo o teu corpo ao dar o que sente na ânsia de se dar ardente. É tão o nosso fim, que nunca queremos que acabe assim.


Joshua M.

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